domingo, 23 de outubro de 2011

CATOPÊS DE MONTES CLAROS

 por Virgílio Abreu de Paula

Dentro do nosso folclore, as Festas de Agosto são, sem nenhuma dúvida, a festa de maior participação popular. Não se sabe precisar quando começaram. Mas o fato é que a mais antiga notícia data de 23 de maio de 1838, quando Marcelino Alves requereu junto à Câmara Municipal "licença para tirar esmolas para as festas de Nossa Senhora do Rosário e do Divino Espírito Santo, que pretendia fazer nessa freguesia". São, portanto, pelo menos 170 anos que os Catopês, Marujos e Caboclinhos percorrem as ruas de Montes Claros, seguindo seus reis, rainhas, imperadores, imperatrizes, princesas, etc., cantando, dançando e louvando seus santos de devoção.

Nesses grupos estão representadas as três raças que originaram o brasileiro. Os Marujos são de origem européia e narram as aventuras dos marinheiros descobridores, Os Caboclinhos são os nossos índios. O Grupo é formado em sua maioria de crianças. Falam das brincadeiras dos nossos curumins. Os Catopês são de origem africana. E é sobre esses últimos que desenvolveremos nosso trabalho.

A ORIGEM


Como foi dito acima, os Catopês são de origem africana. Os negros, quando vieram escravizados, trouxeram consigo suas crenças e tradições. Continuaram homenageando seus reis e cultuando seus deuses. Um desses reis foi o famoso "Chico Rei", escravo na região de Ouro Preto, mas que era príncipe em sua tribo africana. Aqui, os seus súditos e companheiros de escravidão o fizeram rei e, de acordo com a tradição, comandava as festas de culto a seus deuses. Chico Rei tornou-se célebre por ter, juntando aos poucos ouro em pó que trazia das minas misturado aos cabelos, conseguiu comprar sua própria liberdade. Uma vez homem livre, conseguiu ainda a liberdade de vários de seus companheiros de infortúnio.

Na falta de um rei verdadeiro, elegiam alguém, entre eles, para que os representasse e assim faziam o seu cerimonial.

Como aconteceu com a macumba, o candomblé, a umbanda, os negros relacionaram seus deuses aos santos da Igreja Católica e passaram a cultuar Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.

O CATOPÊ DE MONTES CLAROS

Embora da mesma origem dos Congados, Moçambiques e outros similares de outras regiões, o nosso Catopé, talvez por ter ficado isolado dos outros irmãos, com o tempo foi adquirindo características próprias, a começar do próprio nome, Catopê, que seria o nome da dança ou do ritmo, como o batuque.

Os Catopês são um grupo de homens, a que chamam terno, adultos ou crianças. Apenas de poucos anos para cá algumas mulheres têm participado. Usam calças brancas, a camisa de manga comprida também branca. Na cabeça, um capacete enfeitado com espelhos, aljôfares e miçangas. Deste capacete, até quase ao chão descem fitas coloridas a larguras variadas. O capacete dos chefes, além desses enfeites, traz no topo penas de pavão. Como geralmente o capacete é feito pelo próprio Catopê, a sua aparência vai depender inteiramente do gosto de cada um e do poder aquisitivo para compra dos adornos, que na maioria é baixo. Mas, aquele cuidadoso, a cada ano, vai acrescentando alguma coisa, mais umas fitas, mais aljôfar, etc.

No início, aqui em Montes Claros, o terno era composto apenas por negros, mas, hoje em dia, não existe mais essa exclusividade, ao contrário do que acontece em outras cidades, como Minas Novas, por exemplo, onde existem duas congregações, a dos Homens Negros e a dos Homens Brancos.

Atualmente, temos aqui em Montes Claros três ternos de Catopês. Dois de Nossa Senhora do Rosário e um de São Benedito.

A MÚSICA

A música do Catopê é melodicamente pobre, predominando o ritmo, tanto que o seu instrumental é exclusivamente de percussão. São tamborins, pandeiros e caixas, em geral fabricados por eles mesmos, usando couro de cabrito.

Cantam sempre sob o comando do mestre, que canta uma estrofe e todo o grupo responde. Apesar da pouca musicalidade, a riqueza do ritmo e o arranjo dos instrumentos dão um efeito de rara beleza e emoção.

A FESTA

Antigamente, as Festas de Agosto realizavam-se nos dias 16, 17 e 18 de agosto. Aliás, começavam no dia 15, com o mastro de Nossa Senhora do Rosário. Dia 16, pela manhã, o desfile do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e, à noite, o mastro de São Benedito. Dia 17, pela manhã, o Reinado de São Benedito e, à noite, o mastro do Divino. Dia 18, pela manhã, o desfile do Império do Divino. Um detalhe é que nos dias de Nossa Senhora e de São Benedito desfilavam um rei e uma rainha. Já na festa do Divino, era um imperador e uma imperatriz.

Atualmente, faz-se a festa no fim de semana mais próximo a essas datas, a fim de facilitar para os participantes dos grupos, geralmente pessoas de baixa renda, operários que têm dificuldade de justificar a falta ao trabalho.

Nos desfiles dos reinados, os Catopês e os outros grupos conduzem o rei e a rainha - acompanhados de princesas, príncipes, damas da corte, etc. - até a Capela de Nossa Senhora do Rosário, onde é rezada a missa, com a participação dos grupos. Em seguida, é servido o almoço para todos os participantes. Este almoço é de responsabilidade dos pais do rei e da rainha, ou do imperador e da imperatriz.

Aqui tem um detalhe que diferencia bastante o nosso Catopê dos Congados de outras cidades. Nos Congados, o rei e a rainha são sempre negros e adultos. Pessoas ligadas diretamente aos ternos. Em Montes Claros, são sempre crianças, independente da raça, sorteadas entre as famílias que se inscrevem pleiteando a realização da festa. Geralmente em cumprimento de promessas.

Tive certa vez uma explicação a respeito de tal diferença, ou seja, porque crianças - a maior parte brancas - e não adultos negros. A justificativa é a seguinte: essa festa era exclusiva das senzalas. Apenas os escravos participavam. Acontece que era costume, não só aqui como em todas as partes, a mãe-preta, uma escrava que amamentava os filhos do senhor. Para essa função era sempre escolhida uma mulher de boa saúde e de boa índole, em quem os patrões pudessem confiar suas crianças. E sempre acontecia que essa escrava, pelo fato de alimentá-las com seu leite, acabava por se sentir meio mãe, apaixonada e dedicada ao "sinhozinho" ou à "sinhazinha".

Dizem que numa época, uma criança filha de um fazendeiro adoeceu, doença grave. Tentou-se os recursos médicos da época sem resultados. Foi quando entrou em cena a mãe-preta, desesperada com a quase certeza da perda do "filho". Diz aos pais da criança que ia fazer uma promessa a São Benedito, pedindo pela vida do menino e que, se ele se salvasse, sairia como rei na festa dos escravos. Os pais, que a essa altura já estavam recorrendo a qualquer coisa que lhes desse uma esperança, aceitaram o compromisso. O fato é que a criança começou, logo em seguida, a sentir melhoras e, em poucos dias, estava inteiramente sã. O pai cumpriu a promessa da escrava e, ano seguinte, pela primeira vez, um menino branco foi o rei na festa dos negros.

A notícia do milagre correu. A partir daí é que houve a mudança. A festa saiu da senzala. Os patrões passaram a participar e a promovê-la. Sempre pagando promessa feita a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito, tradição que até hoje é mantida.

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