quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

- Crônica -


ROMÂNTICO
por Aristônio Canela*

         O Termo é vezes tantas ouvido nas diversas conversas, nos levando a dar-lhe pela força das modernidades, uma aura de fraqueza e pieguice trilhando um caminho cada vez mais incoerentemente pavimentado em secundarismos, deixando na poeira do esquecimento gestos e atitudes benfazejas transbordantes de carinhos.

            As competições cotidianas, propondo uma vida atribulada nos seus menores detalhes, na tentativa de sobrevivência, nessa guerra social, a meu ver instrumentada por indivíduos espúrios, gananciosos, de olhos abertos apenas para seus umbigos, fazem das manifestações românticas, na grande arte de viver, um ponto de menor importância destruindo o corpo do puro sentimento por tê-lo em plano de estorvo.

            A prosa, o verso, a música, a pintura, o teatro, vêem tomando formas agressivas em mordidas dolorosas, fazendo almas sangrarem salientando em vivas cores defeitos, guloseimas de sombras tenebrosas, propondo violência como única saída na resolução de problemas, amiudando cada vez mais a beleza do amor, eterno guardião da liberdade.

            As atitudes invasivas espocam num modismo pavoroso, criando espaços ocupados por incentivadores especializados apenas em momentos, todos eles massacrando a harmonia social, fomentando a cada minuto, usando o complexo da mídia, a lei daquele que mais pode, apagando o respeito mútuo e enaltecendo o rompimento dos direitos individuais, propiciando uma grande barreira para o desabrochar de atitudes simples, meigas, carinhosas, alimentadas pelas almas das paixões.

            Nesses tempos de destaques das conquistas a qualquer preço, amar passou ser um processo obsoleto vivido apenas pelos fracos, entidades sofredoras, angustiadas diante de tanta agressividade mas, para gáudio da beleza, da sedução e dos mistérios dos sentimentos, os nichos românticos resistem à tamanho assedio e promessas de realizações instantâneas.

            Romântico é um adjetivo da Língua Portuguesa, definido no seu comportamento lírico e na literatura tornou-se um movimento chamado Romantismo, de características muito próprias ocupando um espaço de anseios e poesia, evocando um estado d’alma onde o sentimento transborda “in natura” sem nenhuma amarra social com nobreza e deleite extrapolando cotidianos, reinando num terreno de realidade-fantástica individual, podendo até se transformar em coletivo, na conformidade da vivência nas tribos parceiras, dando vida e açulando as imaginações férteis.

            O Romantismo foi uma atitude artístico-político-filosófico surgido no século XVIII na Europa, seguindo ao longo do XIX, contrário ao Racionalismo e Iluminismo, consolidados nos países Europeus destacando-se a França.

            No Brasil, em 1823, o sentimento nacionalista vinha à tona nos versos poéticos desvinculado dos padrões clássicos livres, sem métricas e brancos, dando asas às causas do coração na sua subjetividade de sentimentalismo no fluir da dor e prazer.

            A prosa criava o “Romance Urbano” lidando com a vida social nas cidades descrevendo tipos e comportamentos. No “Romance Regional” destacava-se a vida interiorana e suas íntimas características. O “Romance Histórico” valorizava o passado e seus personagens e o “Romance Indianista” tinha o índio como seu ator principal.

            Na poesia via-se o Nacionalismo buscando a identificação do país e sua história. O mal do século em 1850 exaltava a dor, solidão e pessimismo, tudo exagerado e o Condodeirismo punha-se no desejo de plena liberdade refletindo-se no voo do condor, nas alturas, acima de tudo.

            As noites Diamantinenses desfilam por eternidades, evocadas nas conversas de qualquer botequim, freqüentado por indivíduos especializados nas artes notívagas em conluios de línguas desvairadas, aumentadoras de pontos nos contos, revestidas de fluidez bafejadas pelo mordiscar de uma imaginação repleta de personagens, todos absolutamente envolventes e sedutores. Não sei bem que tipo de química é essa mas, posso afirmar com segurança a veracidade do fato por ter vivido dez anos respirando aquele ar de puro mistério.

            Sempre foi por mim freqüentado, no Beco-Mota, o “Correntão”, local afamado por reunir músicos, poetas, romancistas, vagabundos e damas da noite de várias tendências filosóficas, inclusive aquelas que diziam sim apenas para festejarem o instante de paixão.

            Depois do segundo “Cuba-Libre”, antecedido por duas loiras geladas, num sábado envolvido pela magia de um manto madrugueiro, costurado por estrelas em piscagens insinuantes, desci a escada de degraus em madeira, num ploc –ploc de meus sapatos inundando a rua, de mãos nos bolsos,  com dificuldades no equilíbrio e assobiei uma canção de harmonia perfeita em serenata a lua cheia de feminilidade numa postura sensual, sorrindo para mim.

            Lembro-me bem quando me sentei no banco da pracinha por onde escorria uma calma impressionante e semicerrei os olhos num suspiro longo deixando o ar invadir meus pulmões e lamber minha alma. Lentamente fui tomado por um processo libidinoso, entranhado em minhas veias e pude ver, com nitidez, suas formas voluptuosas desenhadas naquela boca de lábios macios e língua serelepe a me endoidecer em tantos carinhos e juras de amor. Ela, completamente nua, envolveu-me no seu corpo leitoso, num vai e vem compassado até nos entregarmos a exaustão dos encontros cósmicos quando o sêmen de nós, misturou-se a natureza sorridente.

            Não posso, a bem da verdade, absolutamente comprometida nesse texto, determinar o tempo passado naquela peleja. Sei apenas do meu despertar quando um friozinho passeou por meu dorso exposto arrepiando meus cabelos e intimando-me a ir embora.

            Entrei em casa ainda pisando nuvens e atirei-me no “Verdão”, velho sofá tão meu companheiro e dormi um sono profundo, sem sonhos e de extrema reparação.

            O dia amanheceu para mim beirando as onze, após uma ducha quente e mostrou-se numa deslumbrante felicidade.

            Hoje, no retrovisor, vejo as pegadas dos sessenta e entendo o porquê de nunca mais ter parado de parir amor.

- Poema -


- POEMA SOBRE BRUMADINHO -

por Padre Wagner Eduardo Dias*

Os olhos já não mais se abrem: a lama fechou.

A voz já não mais se ouve: a lama calou.

Os ouvidos já não mais escutam: a lama os entupiu.

As mãos já não mais se movem: a lama encobriu.

A cabeça já não mais se ergue: a lama afogou.

A alegria já não se faz presente: a lama levou.

E até a esperança parece estar ausente: a lama naufragou.

Onde está o cavalo correndo? A lama matou. Onde está o cachorro latindo? A lama calou. Onde está a mãe embalando a criança? A lama derrubou. Os funcionários lutando pelo pão de cada dia? A lama encobriu. Os amigos conversando sobre a vida? A lama silenciou.

Onde estava a vida, a morte chegou. Onde havia casas, a destruição soterrou. O que era campo num vale de mortos se tornou. O que era rio, num mar de lama se transformou.

Aos corações sujos de lama, o minério vale mais que a vida; o ferro vale mais que o sangue; a prata vale mais que a honra; o ouro vale mais que a alma...

*** A Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, na cidade de Montes Claros - Minas Gerais, manifesta o seu pesar pela tragédia acontecida na cidade de Brumadinho, e a todos aqueles que perderam casas, animais e, principalmente, familiares e amigos nesta catástrofe; oferece as suas orações para que encontrem em Deus a força e a fé para recomeçar.

* Da Arquidiocese de Montes Claros
JN/Edição de 31 de janeiro de 2019.

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