segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

- 'A Deus' Mestre João Farias -

por João Batista de Almeida Costa 
em quarta-feira 10/01/2018*


Mestre João Farias  - Foto Fábio Marçal

Montes Claros hoje se despediu, com pompa e circunstância catopeísticas, do Mestre João Farias, do Terno de Nossa Senhora do Rosário, com quem, afirmam em sua bandeira, serão felizes!

Fui ao velório na residência do Mestre João Farias, no bairro Camilo Prates, zona sudeste da cidade, um bairro de periferia. Fui prestar minha singela homenagem àquele que em suas andanças como Catopê pelas ruas da cidade nos propiciava, com muita alegria e encantamento, festejar os nossos Santos de Agosto e a nossa sociedade, que nos cortejos simbolicamente desfila ante nossos olhos, por meio de nossa principal festividade cultural. E ao som dos tambores dos Catopês, das cordas dos Marujos e das cordas e bater das flechas nos arcos o Caboclinhos.

E, estando ali pelo tempo que me foi possibilitado ficar entendi o pedido do Mestre João Farias para que o seu velório ocorresse em sua residência e em sua simplicidade propiciou a nós, que não residimos naquela área, compreender uma outra faceta dele, do Seu João Batista Farias, ou tão somente Seu João, como a vizinhança se referia a ele: sua humanidade. Era um homem querido pela população de seu bairro e vizinhanças que, dando uma simples passada diante de seu corpo inerte, vestido com a indumentária de Catopê, prestava-lhe reverencia e agradecia em voz baixa tantas coisas que eles lhes propiciava. Seu João era um homem “sistemático”, como também era o Mestre João Farias, mas de uma amabilidade, atenção, carinho, dentro das possibilidades de sua timidez, que oceanava-se em cada um que a ele recorria.

Vi homens casados, moços, rapazes que pertenceram ao seu Terno de Catopê, chorando e lhe agradecendo por momentos que consideravam dos mais felizes e alegres de suas vidas. Vi crianças dizendo que queria ter sido Catopê no terno de Seu João. Vi e ouvi muitas coisas encantadoras sobre Seu João Batista Farias.

E, então, compreendi, o seu desejo de ser velado em sua residência, mostrar-nos a sua humanidade, dado que nós montesclarenses o conhecíamos como o Mestre de Catopê com sua elegância, seu ritmo intenso e profundo, sua religiosidade e encantamento com a Senhora do Rosário de quem era devoto desde criança. E, que, por isto, tornou-se Catopê. Não vi sua carroça e nem o animal que a puxava. Deve ter tido um período de descanso, já que o espaço tornou-se ínfimo para tanta gente simples, periférica, pobre, que a sua casa acorreu. Assim como montesclarenses conhecidos por seu vínculo à cultura e artes, bem como, por pertencerem a um dos Ternos de Catopês existentes na cidade. Lá também esteve Padre João Batista Lopes, companheiro religioso nos festejos de agosto, que fez a encomendação da alma ao som dos tambores dos membros dos três ternos que lá estavam. Todos expressando na batida do couro os seus sentimentos, assim, como tantos rezando as orações que o Padre João comandava. Foi um momento intenso de religiosidade, de emoção, de sentimentos extravasados e vi homens, mulheres, rapazes, moças, crianças com os olhos vazados em lágrimas.

A saída de sua residência ao som da “retirada, a retirada, ê meus camaradas, ê meus camaradas”, com seu caixão ladeado pelos Catopês perfilados e batendo seus tambores e cantando as orações que nas Festas de Agosto aprendemos desde crianças a ouvir e a cantar. E, cantando, oramos aos Santos das nossas Festas de Agosto. E sobre seu caixão, o lindo capacete que o fazia, aos nossos olhos, ainda maior, pois em sua religiosidade ele era o homem religioso a nos conduzir pelas ruas de nossa cidade, em festa à Capela do Rosário.

De sua residência ao Cemitério Parque da Esperança a falta de gentileza urbana e de respeito humano dos montesclarenses e do descompromisso da polícia de trânsito, cena que recorrentemente se repete a cada cortejo e procissão durante as Festas de Agosto, carros, motos, caminhões, ônibus, carroças, cachorros, bicicletas, cortando a unidade do cortejo fúnebre e deixando perdidos alguns acompanhantes de seu féretro. E durante as Festas, quebrando a sacralização do espaço por onde trafejam os Ternos, os reinados e o império, conduzindo em bandeiras ou em andores os Santos que nos abençoam, com sua compaixão e misericórdia para nossas mesquinhez.

E da porta do Cemitério até o local de sua sepultura, o respeito, a admiração, tocados pela espiritualidade, tantos e tantas se emocionam ao ponto das lágrimas e, também, tocados pela força que emana do cortejo que conduz o Mestre João Farias / Seu João pelos caminhos internos desta Casa que se faz Santa na oração dos membros dos três Ternos de Catopês! O sol brilha forte, mas a fé, a humanidade, a admiração e o respeito dos que se fizeram presentes torna o momento um evento de amplo encantamento tocando o coração e a alma de cada um.

Esteja na Luz Seu João!
Esteja com a Senhora do Rosário Mestre João Farias!
Permaneceremos saudosos de sua presença, mas certos de que de onde estás emanará para nós as pétalas da fé!


*Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social

Universidade Estadual de Montes Claros

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