quinta-feira, 25 de outubro de 2018

- ARTIGO PARA PESQUISAS COM ATUALIZAÇÃO DE DADOS -

por Raquel Mendonça*

FESTAS DE AGOSTO DE MONTES CLAROS 
- 179 ANOS DE EXISTÊNCIA E RESISTÊNCIA -


                                                                           Arte: Lourdes Antunes

Dentro do rico folclore ou cultura popular montes-clarense, as Festas de Agosto são a maior e mais importante manifestação cultural tradicional e popular do município, de grande, na verdade excepcional participação popular. A mais antiga notícia sobre as Festas data de 1839, quando "Marcelino Alves pediu licença para tirar esmolas para as festas de Nossa Senhora do Rosário e do Divino Espírito Santo, que pretendia fazer nesta freguesia". Quando se comemorou a coroação de Dom Pedro II, em 8 de setembro de 1841, foram permitidos, oficialmente, vários divertimentos durante três dias: “Catopês (mesmo Congago/Congada de outros lugares, com belas características regionais, locais...); Cavalhadas, Volantins e quaisquer outros divertimentos que não ofendam a moral pública".

São, portanto, neste ano de 2018, 179 (cento e setenta e nove) anos de existência e resistência, em que os Catopês ou Dançantes, Marujos ou Marujada, Caboclinhos ou Caboclada percorrem ruas centrais de Montes Claros - trajeto tradicional: Rua Dom João Antônio Pimenta, Rua Camilo Prates, Praça (central) Dr. Carlos Versiani e Rua Governador Valadares -, saindo da Praça Dr. João Alves, em frente ao Automóvel Clube de Montes Claros/AC, que oferece espaço interno para apoio aos Festeiros, abrigando, até a saída, Rei e Rainha ou Imperador e Imperatriz, príncipes e princesas, pais ou responsáveis..., até a Praça Portugal, onde fica situada a Capela do Rosário, a "Igrejinha dos Catopês" -, seguindo seus Reis e Rainhas de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, bem como o Imperador e a Imperatriz do Divino Espírito Santo, além de longo cortejo de príncipes e princesas - cantando, dançando e louvando os seus santos de devoção!...

SOMENTE OS CATOPÊS SÃO CONGADO...

São três os Grupos de Catopês ou Congado/a de Montes Claros: 1º Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário, com cerca de 70 a 80 (setenta a oitenta) integrantes, da comunidade do Bairro Morrinhos, chefiado pelo Mestre Zanza (João Pimenta dos Santos), que completou 86 anos de idade no último dia 10 de maio de 2018, oitenta e dois deles de Catopê, pois começou nas Festas como “Catopê de Colo”, aos quatro anos de idade, depois “Catopê de Fila” e, aos 16 anos, assumia a chefia do Grupo; 2º Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário, hoje chefiado pelo Mestre Yuri Faria, neto do grande, extraordinário e saudoso Mestre João Faria (João Batista Faria), nascido no dia 15 de junho de 1947 e “encantado” no dia 10 de janeiro de 2018, que conta com cerca de 60 (sessenta) integrantes, entre jovens e adultos, das comunidades dos Bairros Vila Anália e Camilo Prates, e o Grupo de Catopês de São Benedito, chefiado pelo Mestre Wanderley, filho do saudoso Mestre Zé Expedito (José Expedito Cardoso do Nascimento), que conta com cerca de 50 (cinquenta) componentes das comunidades dos Bairros Renascença, Clarice Athayde, Independência e Alterosa II, tendo como primeira Contra-Mestra dos Catopês, a filha Vera Lúcia. De Marujos há dois Grupos: a 1ª Marujada, chefiada pelo Mestre Tim (Iderielton Oliveira da Cruz), filho do grande e saudoso Mestre Nenzinho (José Calixto da Cruz), que o antecedeu no cargo, da comunidade da Vila Ipiranga, e a 2ª Marujada, chefiada atualmente pelo Mestre Zé Hermínio, que substituiu o Mestre Tone Cachoeira (Antônio Ferreira), da região da Fazenda Mocambinho, que a assumiu após o falecimento do famoso Mestre Miguel Marujo ("Sapateiro de profissão e Marujo de devoção"). A Chefe do Grupo de Caboclinhos é a Cacicona Socorro (Maria do Socorro Pereira Domingos), da comunidade do Bairro Vilage do Lago II, filha do saudoso e excepcional chefe da Caboclada, Mestre Joaquim Pólo (Joaquim Pereira da Silva), que conta com inspirado, marcante e esplendidamente “cantante” (à semelhança do pai Poló...) apoio do irmão Dudu (Waldir Leal Pereira), como 2º Chefe, na condução dos Caboclinhos...

O 1º Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário (Mestre Zanza) e o 2ª Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário (Mestre João Faria) contam com três porta-bandeiras; o Grupo de Catopês de São Benedito (Mestre Wanderley) tem quatro porta-bandeiras; a 1ª Marujada (Mestre Tim) e a 2ª Marujada (Mestre Zé Hermínio) contam com quatro porta-bandeiras e a Caboclada com cinco. No passado, se apresentavam à paisana, hoje com roupas em cetim, conforme a cor da bandeira ou do santo homenageado.

O grande Coordenador das Festas de Agosto de Montes Claros é João Pimenta dos Santos (Mestre Zanza), que, enfatizamos, começou nas Festas como "Catopê de Colo", aos quatro anos de idade e, aos dezesseis anos, passou a chefiar o grupo, recebido do pai, João Pacífico Pimenta Santos, que, por sua vez, o recebeu de seu avô Pacífico Pimenta. Além de Coordenador das Festas, Mestre Zanza é Presidente da Associação dos Grupos de Catopês, Marujos e Caboclinhos de Montes Claros, criada com apoio técnico dos Promotores Culturais, historiadora Raquel Mendonça e sociólogo João Batista de Almeida Costa (Joba Costa), para maior organização e fortalecimento dos seis notáveis grupos, cuja sede se situa na Rua Humaitá, nº 126, com Rua Santa Efigênia, no Bairro Morrinhos - Montes Claros/MG. 

O saudoso Mestre João Faria (João Batista Faria) assumiu o 2º Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário em 1969; antes dele vieram o Mestre "Seu" Francisco de Jura (Procurador - cargo desaparecido - Mestre Martim Biscoiteiro) e o Mestre Sebastião Gama, Procurador Zé Aristides. O saudoso Mestre Zé Expedito começou nas Festas de Agosto aos oito anos de idade, em 1952, tendo sido “Catopê de Fila” por trinta anos, até assumir o Grupo de Catopês de São Benedito, em 1982. Antes dele, lembrava os Mestres Ezequias, Manoel de Custodinha (este famoso por seus feitos nas Festas!...), Mestre Orlando... 

Nesses grupos estão representadas as três raças que originaram o povo brasileiro. Os Catopês são de origem africana. Agrupam-se em ternos, entre adultos e crianças. Apresentam-se em duas colunas, começando, normalmente, pelos mais altos e seguindo em ordem decrescente pela altura até os menores. O Chefe dança e comanda os cantos entre as duas colunas. À frente há três porta-bandeiras nos Grupos de Catopês chefiados pelo Mestre Zanza e Yuri Faria, e quatro à frente do Grupo de Catopês chefiado pelo Mestre Wanderley. Os próprios Mestres, filhos ou familiares, membros dos grupos é que confeccionam as bandeiras, em cetim, conforme a “cor” da Festa, Reinado ou Império, que são enfeitadas com flores feitas de purpurina, recebendo acabamento em franjas; o estandarte é feito de madeira (cedro). São usados ainda cetim, purpurina e fitas coloridas no arremate das bandeiras. A vestimenta, chamada de “uniforme”, é composta de calça e camisa (alguns ainda usam paletó) de cor branca. Na cabeça, atam um lenço e sobre este assentam um capacete, espécie de cilindro oco de papelão nas dimensões da cabeça, aberto dos dois lados e enfeitados com espelhos, aljôfar, miçangas e fitas de várias cores, que medem mais ou menos um metro de comprimento. Uma das pontas é presa ao capacete e a outra esvoaça ao sabor dos ventos de agosto… O capacete dos Catopês é considerado o “Símbolo das Festas de Agosto de Montes Claros”. O Chefe usa capacete enfeitado com penas de pavão, cujo uso já é permitido a todos os Catopês. As penas de pavão foram compradas em 2017 a R$ 2,00 cada, com o Mestre Zé Expedito, por exemplo, tendo adquirido, em 2014, 2.000 (duas mil) penas, para a confecção de quarenta e cinco capacetes, contendo cerca de quarenta penas de pavão cada um. Usou-se pena de ema por muito tempo. O capacete dava uma distinção especial aos chefes de Catopês, no passado, mas, há alguns anos, os Mestres passaram a permitir aos demais componentes dos grupos o uso do capacete. Cada membro conduz um instrumento musical - pandeiro, tamborim e caixa -, feitos pelos próprios Catopês, de modo especial os Chefes e familiares, utilizando madeira (pinho), couro de bode e fitas coloridas. Uma flauta de bambu dava, no passado, poesia ao conjunto, segundo o grande Historiador e Folclorista Hermes de Paula.

Os Marujos são de origem européia, que narram e exaltam os feitos e as aventuras dos marinheiros portugueses ou descobridores, nas danças e tradições portuguesas trazidas em alto mar por marinheiros ao Brasil, assim como os princípios cristãos da religião católica. Compõem a Marujada, além dos Marujos, um Patrão, um Contramestre, um Piloto e um Calafatinho, assim como os guardas. Saem cantando e dançando; o Patrão, o Contramestre e o Piloto (que no passado usava bastão) portando espada, em formação militar, constituindo duas colunas, com pandeiros, violas, violões e cavaquinhos. A roupagem tradicional não se assemelha em nada com marinheiros de verdade - são calças compridas com babados de renda; uma blusa enfeitada de aljôfar e rendas; chapéu branco com fita da mesma cor da roupa e aba “quebrada” na testa. Metade dos marujos se veste de cetim azul e a outra metade de vermelho. Há diferenças de vestimentas usadas pelo Patrão, Contramestre, Piloto e Calafatinho. A 1ª e a 2ª Marujadas contam com três porta-bandeiras. Entre os Marujos mais populares e queridos desaparecidos, os mais lembrados são “Aníbal, o Carroceiro”, o “Mestre Nenzinho” e o “Mestre Miguel Marujo”!...

Neste ano, o 1º Grupo de Marujos ou Marujada comandado pelo Mestre Tim, que tomou para si a responsabilidade da Marujada, em seu potencial e originalidade, completa 116 (cento e dezesseis) anos dentro de uma mesma família. A “Marujada do Mestre Nenzinho” foi fundada em 17 de setembro de 1902, por Francisco Taboca, junto a um amigo gaúcho conhecido como Geraldo Tropeiro. Desde então, foi passando, geração após geração, a membros da mesma família: Francisco Taboca, Tião Taboca, Ramiro Taboca, Chico Testa, Nenzinho Taboca, até o Mestre Tim, bisneto de Francisco Taboca, o fundador do terno.

Os Caboclinhos ou Caboclada são os nossos índios ou folgança de reminiscência indígena e o grupo é formado em sua maioria por crianças entre 7 a 10 anos (ou ainda menores), formando dez a quinze pares, vestidos de saiotes vermelhos, enfeitados de plumas, conduzindo arcos e flechas; a cabeça guarnecida por capacete de penas. Participam ainda as figuras adultas da Mamãe-Vovó e Papai-Vovô, além dos músicos, que não são “indígenas” e usam trajes comuns de passeio, portando rabecas ou rebecas (violino rústico), violões, violas e cavaquinhos, bem como cinco porta-bandeiras. No passado, havia ainda na Caboclada as figuras do Cacicão, Pantalão e Capitão Campó. As bandeiras são feitas com tecido de seda vermelha, em razão de a Marujada e a Caboclada estarem ligadas diretamente à devoção ao Divino Espírito Santo.

Os Catopês ou Dançantes são considerados os "Donos" das Festas de Agosto, pois têm por obrigação orientar em tudo a organização das visitas, programação religiosa e festiva sob a responsabilidade dos Mordomos (Donos das “Bandeiras”) e Festeiros (Organizadores dos Reinados e Império), e acompanhar os mesmos - reminiscência das festas de Chico Rei em Ouro Preto - que consta do seguinte: anualmente, sorteiam-se famílias da comunidade - hoje as famílias interessadas em participar das festas, na condição de Festeiras, é que se oferecem normalmente para tal junto aos Mestres - entre aquelas que apresentam previamente interesse em realizar o Reinado de Nossa Senhora do Rosário (que recebem nas vestes, adereços e elementos decorativos a cor azul); de São Benedito (cor rosa) ou o Império do Divino Espírito Santo (cor vermelha), objetivando o cumprimento de promessas aos santos ou por amor às Festas de Agosto de Montes Claros, com os seus filhos ou netos (crianças ou pré-adolescentes) saindo de Rei, Rainha, Imperador e Imperatriz, ao fim de longo séquito ou acompanhamento formado por príncipes e princesas na mesma faixa etária, filhos de familiares das Famílias Festeiras ou Festeiros de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e do Divino Espírito Santo, assim como de amigos, convidados e quaisquer outros membros da comunidade que se interessem em ver seus filhos ou netos, bisnetos compondo o cortejo de príncipes e princesas das Festas de Agosto, bastando, para isso, que se apresentem, junto ao(s) filho(s) ou neto(s) - e/ou familiares, amigos, muitas vezes -, devidamente caracterizados, nos dias das Festas, sem a necessidade de convite, inscrição ou pagamento de taxas, como pensam muitos, entre as 09h00 e 10h00 do dia da Festa escolhida (um dos Reinados ou Império), em frente ao Automóvel Clube de Montes Claros, na Praça Dr. João Alves, onde se iniciam as Festas, genuinamente populares. A Equipe de Apoio da Secretaria Municipal de Cultura/Prefeitura de Montes Claros ajuda a organizar - discretamente, sem “inter-ferir” nas Festas… - o cortejo ou séquito de príncipes e princesas dos Reinados ou Império, com as crianças menores sendo acompanhadas pelos pais, de modo especial, pela mãe.

DIAS DE FESTA

Nos dias de festa, a partir das 09h00 da manhã, os Catopês ou Congado saem pelas ruas da cidade cantando e pulando no ritmo dos tambores, junto à Marujada e Caboclada. Os Festeiros compõem ou organizam o Reinado ou Império: em um quadro formado por quatro bastões de mais ou menos três metros e enfeitado de papel crepom colorido, agrupam-se o Rei, a Rainha (ou o Imperador, a Imperatriz), o Primeiro Príncipe e a Primeira Princesa (que devem substituir o rei/rainha, imperador/imperatriz, em caso de necessidade), todos vestidos de acordo com os títulos. A Banda de Música do 10º Batalhão de Polícia Militar de Minas Gerais acompanha o séquito, abrilhantando, ano a ano, o excepcional evento cultural religioso, assim como grande massa popular, até a Capela do Rosário ou de Nossa Senhora do Rosário. Os Catopês ou Congado/a vão à frente, cantando e dançando, até a entrada do Reinado ou Império na igreja, onde assistem à missa celebrada com emoção e vibração incomuns pelo Padre Fernando Soares de Almeida, o atual "Padre dos Catopês", em substituição ao sempre animado Padre João Batista Lopes (Pe. João), após acompanhar as Festas por longos e longos anos, entusiasticamente, em vivas e vivas ou vivório aos Santos homenageados, Catopês, Marujos e Caboclinhos, Reis e Rainhas de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, Imperador e Imperatriz do Divino Espírito Santo!... “Viva os Catopês, Marujos e Caboclinhos de Montes Claros!” “Viva Nossa Senhora do Rosário!” Viva São Benedito!” "Viva o Divino Espírito Santo!" “E viva o povo que tem fé!...” Depois do desfile e evoluções pelas ruas, ao entrarem na igreja, os Grupos dançam e cantam, como a mais famosa canção das Festas de Agosto de Montes Claros:

"Deus te salve, Casa Santa
Onde Deus fez a morada
Onde mora o Cálix Bento
E a Hóstia Consagrada"

Outra cantiga de entrada no templo:

“Em casa santa, nós entra nela,
Com prazer e alegria...”.

O chefe ou mestre canta todos os versos - são várias as cantigas, algumas em adoração a Nossa Senhora do Rosário, a São Benedito e ao Divino Espírito Santo - em seguida, os outros componentes cantam as mesmas em dueto, repetindo muitas vezes. Na hora da saída da Igreja, dançando mais suavemente, não dão as costas para o altar e, sempre de frente para o mesmo, cantam:

“Adeus, adeus
Não chores não
Para o ano eu voltarei
Pra cumprir nova (ou nossa) missão”.

*OBS.: A palavra original não era “missão” e sim “tenção”, que significa devoção, veneração, termo substituído, nos últimos anos, pela palavra “missão”.

“Nossa Senhora 
Até para o ano que vem” 

Outros cânticos comuns:

    “(...) A retirada, a retirada
          Eh meus camarada
          Eh meus camarada!...”

         “Oi tarimbaruê, tarimbaruá
         Adeus, Senhor Rei
         Adeus, Rainha
         Até para o ano
         Se Deus quiser...”.

         “Com a graça de Deus
         E de Nossa Senhora
         No ano que vem
         Haveremos de voltar...”

O(s) último(s) grupo(s) a se apresentar(em) na Igrejinha do Rosário, após a Missa, é aquele cujo santo está sendo homenageado - após o que seguem para a casa ou local da festa, oferecida, organizada e financiada pela Família Festeira - os pais do Rei e da Rainha ou do Imperador e Imperatriz, responsáveis pelo almoço -, com apoio de Equipe da Secretaria Municipal de Cultura/Prefeitura de Montes Claros, que ajuda a servir o almoço aos Catopês, Marujos, Caboclinhos, Rei e Rainha ou Imperador e Imperatriz, príncipes, princesas e familiares, assim como pessoas gradas convidadas. Gente do povo em geral invade o "reduto real" sem convites, pois se trata de uma festa autenticamente popular.

Os Catopês ou Congado formam uma espécie de dinastia, vêm tradicionalmente passando, nas mesmas famílias das comunidades de origem, de pais a filhos e netos, que começam cedo a "brincar" nas belas Festas. São, pois, conservadores, devotos de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e do Divino Espírito Santo. As Festas de Agosto fazem parte do catolicismo popular da cidade. Os "ensaios" dos grupos, com vistas às Festas, têm início no mês de maio; uma vez por semana, aos sábados à noite, preferencialmente, saem pelas ruas com suas caixas e pandeiros, à paisana, cantando as costumeiras cantigas, algumas novas, pelos Chefes dos Grupos acrescentadas, outras de forma natural modificadas...

O Mestre canta e os membros dos Grupos ou Ternos repetem em várias vozes:

“Lá vem o nosso rei
Com sua rainha ao pé
E lá mais atrás
Vem o "fio" do Guiné” 

....x....

“Ô meu São Benedito
Onde eu vou pará?
Vou pará
No Rosário!...”

....x....

“São Benedito
Como sua casa cheira
É de cravo é de rosa
É fulô de laranjeira”

....x....

“Vamos s`embora
Ei, vamos s`embora
Ei, ei! Vamos s`embora
Ei, ei! Vamos s`embora”

E muitas outras mais, como as abaixo, da Marujada...

OS DOZE PARES

“Ah! São chegados os doze pares 
Lá da parte do oriente
Vem dando graças ao Divino
Um Senhor tão soberano” 

....x....

LÁ NO CÉU TEM UM CASTELO

“Lá no céu tem um castelo
Lá no céu tem um castelo, ah!...
Quem formou foi o rei da Glória
Quem formou foi o rei da Glória, ah!!...
Filho da Virgem Maria
E de Nossa Senhora!...”

....x....

A BARCA NOVA

“Vamos ver a barca nova 
Ai! Que do céu caiu no mar 
Nossa Senhora vai dentro
E os anjinhos a remar.”

....x....

TODO MUNDO JÁ DIZIA

“Todo mundo já dizia
Que essa dança não saía 
Venha ver! Venha ver 
Pois a dança está na rua 
Com prazer e alegria” 

....x....

ANDANTE

O Patrão canta:

“Gente, que terra é essa 
Terra de grande alegria
Oi, terra de grande alegria”

Respondem os marujos:

“É o campo do Rosário
Que festejamos este dia” 

....x....

GENTE QUE VEM DE LISBOA

“Gente que vem de Lisboa 
Gente que vem pelo mar
Laço de fita de seda
Na ponta da vela
Meu pombo real” 

....x....

VIEMOS

“Viemos, viemos, viemos
Oh! Viemos com muita alegria 
Porque viemos louvar
A Virgem Maria” 

“Viemos, viemos, viemos
Oh! Viemos todos meus irmãos 
Porque viemos louvar
O Divino Espírito Santo” 

....x....

MOÇA MINEIRA

“Moça mineira, ei...
Chega na janela 
Venha ver marujo
Que lá vai pra guerra”

(...) e outros variados cânticos dos Marujos.

DA CABOCLADA...

“Sou caboco, caboquinho
E não brinco com ninguém
Quando pego na minha flecha
Flecho-flecho muito bem”

“Meus sinhores, não repare
Os caboco de ancê
Porque inda nada sabe
E é tempo d`aprendê”.
(...)

....x....

“Sou cacique, caciquinho
Senhor lá da mataria
Entre arcos e entre flechas
Tenho muita fidalguia”.

....x....

“Ao romper do dia
Ao romper da aurora 
Viva o Divino
E Nossa Senhora” 

....x....

“Meus senhores e minhas senhoras 
Ora, adeus, até para o ano” 


Os Catopês do passado mais conhecidos foram Mestre Geraldo ou Geraldo Velho, Mestre Sabino, Mestre José da Custodinha, Benedito, Manezinho Trapaiado e Melquíades...


                CATOPÊS OU CONGADO/CONGADA

                   - ORIGEM E DETALHAMENTOS -

Os negros, quando escravizados, trouxeram consigo suas crenças e tradições. Continuaram homenageando seus reis e cultuando seus deuses. Um desses reis, como já colocado, foi o famoso "Chico Rei", escravo na região de Ouro Preto, mas que era príncipe em sua tribo africana. Aqui, os seus súditos e companheiros de escravidão o fizeram rei e, de acordo com a tradição, comandava as festas de culto a seus deuses. Chico Rei tornou-se célebre por ter, juntando aos poucos ouro em pó que trazia das minas misturado aos cabelos, conseguido comprar sua própria liberdade. Uma vez homem livre, conseguiu ainda a liberdade de vários de seus companheiros de infortúnio. Na falta de um rei verdadeiro, elegiam alguém, entre eles, para que os representasse e, assim, faziam o seu cerimonial. Como aconteceu com a macumba, o candomblé, a umbanda, os negros relacionaram seus deuses aos santos da Igreja Católica, com os Catopês cultuando Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. O Divino Espírito Santo está associado aos Marujos e Caboclada.

CARACTERÍSTICAS

Embora da mesma origem do Congado, Moçambique, Zumbi e outros similares de outras regiões, o nosso Catopê, talvez por ter ficado isolado dos outros irmãos, com o tempo foram adquirindo características próprias, a começar pelo próprio nome, Catopê, que seria o nome da dança ou do ritmo, como o batuque.

Os Catopês são um grupo de homens (apenas de alguns anos para cá mulheres têm participado como “catopéias”, com o Mestre Zé Expedito tendo sido o primeiro chefe a aceitá-las em seu grupo), a que chamam também terno, formado de adultos, jovens e crianças. Quanto ao "uniforme", usam calça branca, a camisa de manga comprida também branca. Na cabeça, atam um lenço, que não é mais obrigatório, e sobre este assentam um belo capacete, espécie de cilindro oco de papelão, nas dimensões da cabeça, aberto dos dois lados, enfeitado de qualquer cor, menos preta, como azul, rosa, vermelho, verde e amarelo; bordado com espelhos, aljôfares (pérolas muito miúdas) e miçangas, considerado, hoje, o "símbolo" das Festas de Agosto de Montes Claros. Deste capacete, que chega até quase ao chão, com cerca de um metro de comprimento, descem inúmeras fitas coloridas em larguras variadas, com uma das pontas presa ao capacete e a outra esvoaçando ao sabor dos ventos de agosto! O capacete dos chefes, além desses enfeites, traz no topo penas de pavão - penas de ema eram usadas no passado -, que lhe dão uma distinção especial, embora, com a permissão de Mestre Zanza, os demais membros dos Grupos de Catopês tenham, nos últimos anos, usado capacetes semelhantes aos dos chefes. Como, geralmente, o capacete é feito pelo próprio Catopê, a sua aparência final vai depender inteiramente do gosto e poder aquisitivo de cada um para a compra dos adornos, que, na imensa maioria, é baixo. Mas o Catopê cuidadoso, a cada ano, vai acrescentando mais fitas, aljôfar, etc, o que torna o "Capacete do Catopê" uma obra de arte ou um espetáculo à parte! Cada Catopê conduz um instrumento musical: tamborim, pandeiro ou caixa, em geral fabricados por eles mesmos, usando couro de bode ou cabrito.

No início, aqui em Montes Claros, o terno era composto apenas por negros, mas, hoje em dia, não existe mais essa exclusividade, ao contrário do que acontece em outras cidades, como Minas Novas, por exemplo, onde existem duas congregações, a dos Homens Negros e a dos Homens Brancos. Todavia, os componentes dos ternos de Catopês ou Congado são, em sua maioria, pretos dóceis e alegres, como no passado. Agrupam-se "em ternos"; cada um com mais ou menos componentes, entre quarenta, cinquenta, setenta a oitenta pessoas (antigamente ficavam em torno de vinte integrantes), somente homens, até 2012, nos Grupos de Catopês de Nossa Senhora do Rosário. Apresentam-se em duas colunas, começando pelos mais altos e seguindo em ordem decrescente pela altura até os menores. O chefe dança e comanda os cantos entre as duas colunas e, na frente, há dois porta-bandeiras - ou mais - à paisana.

A MÚSICA

Na música do catopê, predomina o ritmo, tanto que o seu instrumental é exclusivamente de percussão. Cantam sempre sob o comando do Mestre, que canta uma música e todo o grupo responde. A riqueza do ritmo e o arranjo dos instrumentos dão um efeito de rara beleza e emoção, que contagia todos aqueles, montes-clarenses e visitantes, que acompanham os Grupos no decorrer das Festas, ou aguardam a sua passagem nas portas ou janelas de casa, nos passeios, nas esquinas das ruas do trajeto até a Capela...

AS FESTAS


Antigamente, as Festas de Agosto realizavam-se nos dias 16, 17 e 18 de agosto. Começavam sempre no dia 15, com o levantamento do Mastro - de responsabilidade do Mordomo ou Mordoma - de Nossa Senhora do Rosário, atualmente em frente à Igrejinha do Rosário, até o dia 18 de agosto. Nos dias de hoje, fazem-se as Festas no fim de semana mais próximo a essas datas - neste ano entre os dias 15 e 19 de agosto - a fim de facilitar para os participantes dos grupos, geralmente pessoas de baixa renda, como carroceiros, pedreiros, operários, funcionários públicos (Serviços Urbanos, etc) que têm dificuldade para justificar a falta ao trabalho. A Procissão de Encerramento das Festas de Agosto dá-se a partir das 16h00, com todos os grupos de Catopês, Marujos, Caboclinhos e de Congado convidados, além dos dois Reinados e o Império, com saída da Praça Dr. Chaves/da Matriz - Centro Histórico (Centro Cultural Hermes de Paula, Praça Dr. Chaves, nº 32) até a Capela do Rosário, na Praça Portugal, onde acontece a Missa de Encerramento, às 18h00. 

Um detalhe diferencia o nosso Catopê dos Congados de outras cidades. Nos congados, o rei e a rainha são sempre negros e adultos, pessoas ligadas diretamente aos ternos. Em Montes Claros, são sempre crianças, no máximo pré-adolescentes, independente da raça ou cor, sorteadas entre as famílias que se inscrevem ou se oferecem pleiteando a realização do Reinado ou Império, geralmente em cumprimento a promessa.

A explicação ou justificativa que há a respeito de tal diferença, ou seja, porque crianças - a maior parte delas - e não adultos negros, é que essa Festa era exclusiva das senzalas. Apenas os escravos participavam. No entanto, era costume não só aqui, como em outras partes, a existência da mãe-preta, uma escrava que amamentava os filhos do senhor. Para essa função, era sempre escolhida uma mulher de boa saúde e de boa índole, em quem os patrões pudessem confiar suas crianças. E sempre acontecia que essa escrava, pelo fato de alimentá-las com seu leite, acabava por se sentir meio mãe, apaixonada e dedicada ao "sinhozinho" ou à "sinhazinha".

Consta que, em certa época, uma criança filha de um fazendeiro adoeceu, doença grave. Tentaram-se os recursos médicos da época sem resultados. Foi quando entrou em cena a mãe-preta, desesperada, com a quase certeza da perda do "filho". Disse aos pais da criança que ia fazer uma promessa a São Benedito, pedindo pela vida do menino e que, se ele se salvasse, sairia como rei na festa dos escravos. Os pais que, a essa altura, já estavam recorrendo a qualquer coisa que lhes desse uma esperança, aceitaram o compromisso. O fato é que a criança começou, logo em seguida, a sentir melhoras e, em poucos dias, estava inteiramente sã. O pai cumpriu a promessa da escrava e, ano seguinte, pela primeira vez, um menino branco foi o rei na festa dos negros.

A notícia do milagre correu. A partir daí é que houve a mudança. A festa saiu da senzala. Os patrões passaram a participar e a promovê-las, sempre pagando promessa feita a Nossa Senhora do Rosário, a São Benedito ou ao Divino Espírito Santo, que até hoje é mantida, com muita força e vigor pelos seis grupos, cujos chefes e membros, num total de cerca de seiscentas pessoas, trabalham o ano inteiro na confecção e reforma de vestimentas ou uniformes, adereços, instrumentos musicais etc, muitas vezes sacrificando o já apertado orçamento familiar, e passando dificuldades de toda ordem, para o que recebem anualmente ajuda financeira da Secretaria Municipal de Cultura/Prefeitura de Montes Claros, no valor de cerca de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) - ex prefeito da cidade chegou a anunciar que cada um dos seis grupos receberia, a partir do ano seguinte, o mínimo de R$ 10.000,00, promessa no entanto não cumprida - Secretaria que realiza anualmente, paralelamente às Festas, o já 40º Festival Folclórico de Montes Claros, criado por Clarice Maciel, quando Diretora do Centro Cultural Hermes de Paula, "para aproveitar o movimento das Festas de Agosto", na Praça Dr. Chaves/da Matriz, com shows musicais populares e barraquinhas de comidas típicas. As ruas por onde passam os grupos recebem decoração, com peças feitas pela Equipe de Decoração de Eventos da Secretaria de Cultura, como “saias de fitas” de Tnt e belos estandartes com os santos homenageados, criados e confeccionados por Wandaick Santos e Claúdio (Claudinho) Oliveira.

Pela sua extraordinária beleza e riqueza culturais, as Festas de Agosto de Montes Claros, com seus famosos CATOPÊS/CONGADO, que atraem a admiração do país inteiro e visitantes do exterior, com o seu capacete de fitas coloridas já tendo se transformado em “símbolo” das esplêndidas Festas, já foram lembradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, através de seu ex-Superintendente, historiador Fabiano Lopes de Paula, para Registro como “Bem Cultural Imaterial do Brasil”.

  • Gerência de Preservação e Promoção do Patrimônio Cultural de Montes Claros/ Secretaria Municipal de Cultura/Prefeitura de Montes Claros
  • “Catopês de Montes Claros” - Pesquisa e texto de Virgílio Abreu de Paula, Revista Vida, páginas 18 e 19;
COMENTÁRIO SOBRE AS FESTAS DE AGOSTO/2018:

Com 179 anos de história, as Festas de Agosto são a mais importante manifestação da cultura popular ou folclore - tão vasto, rico, denso e diversificado - de Montes Claros, reunindo três Grupos de Catopês ou Congado (1º Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário, chefiado pelo Mestre Zanza/João Pimenta dos Santos; 2º Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário, hoje chefiado pelo Mestre Yuri Faria, neto do Mestre João Batista Faria, o grande, extraordinário e saudoso Mestre João Faria - "lá no céu tem um castelo..." -, de forma mais que justa, bela, emocionante e merecidamente homenageado pelas Festas de Agosto de Montes Claros/2018, falecido em 10 de janeiro de 2018; o Grupo de Catopês de São Benedito, chefiado pelo Mestre Wanderley, filho do também grande e saudoso Mestre Zé Expedito); dois grupos de Marujos ou Marujada (a 1ª Marujada de Montes Claros chefiada pelo Mestre Tim, filho de José Calixto da Cruz, o Mestre Nenzinho, também estrela no céu, e a 2ª Marujada de Montes Claros chefiada pelo Mestre Zé Hermínio, em substituição ao Mestre Tone Cachoeira, após o seu falecimento); e um grupo de Caboclinhos ou Caboclada, chefiado pela Cacicona Socorro, filha do saudoso e notável Mestre Joaquim Poló, envolvendo no total cerca de seiscentos integrantes das mais diversas comunidades da cidade, em dias de Reinados (de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito) e de Império (do Divino Espírito Santo), de dança e cânticos conhecidos pelas ruas centrais da cidade; de levantamento de Mastros, missas, bênçãos e celebrações na Capela do Rosário ou Igrejinha dos Catopês, sob a coordenação da Associação dos Grupos de Catopês, Marujos e Caboclinhos de Montes Claros, presidida pelo Mestre Zanza (João Pimenta dos Santos), Coordenador das Festas de Agosto de Montes Claros, com apoio da Secretaria Municipal de Cultura de Montes Claros.

Os grupos saem com seus instrumentos musicais - os Catopês, Marujos e Caboclinhos têm vestimentas (os chamados uniformes) e instrumentos distintos, próprios de cada grupo -, com demonstrações de fé, devoção, tradição e religiosidade.

Paralelamente às Festas de Agosto de Montes Claros, a Secretaria de Cultura de Montes Claros realiza o Festival Folclórico de Montes Claros, em sua 40ª edição, com programação musical e outras atrações em palco, além de barracas com comidas e bebidas típicas. No domingo, acontece na sede da Associação dos Grupos de Catopês o "Encontro Mineiro de Ternos de Congado" e, à tarde, a Procissão de Encerramento das Festas de Agosto, com os seis Grupos de Catopês, Marujos e Caboclinhos, Grupos de Congado convidados e os Reinados de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e Império do Divino Espírito Santo! Viiiiiiiiva!...

- Festas de Agosto - Catopês - "Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes", Vol. 3, Costumes, pág. 138, de Hermes Augusto de Paula, historiador e folclorista;

- As Festas de Agosto de Montes Claros - Texto de Raquel Mendonça, Promotora Cultural, Escritora, Historiadora e Jornalista;

- Atualização dos demais textos e informações complementares: Raquel Mendonça, Gerente de Preservação e Promoção do Patrimônio Cultural de Montes Claros da Secretaria Municipal de Cultura/Prefeitura de Montes Claros


| TRANSLATE THIS PAGE |