domingo, 17 de março de 2013

1º de fevereiro de 1953


HAROLDO LÍVIO*

Nada de especial para a História do Brasil, trata-se de uma data íntima transcorrida há
exatamente sessenta anos. Parece que foi num domingo e parece que foi ontem. Nada
como o tempo para passar, segundo Vinícius. Recordo-me do embarque, na jardineira
de “seu” Chiquinho Ramos, pilotada por seu filho Walter Zorro, que usava um chapéu
de cangaceiro e era assessorado pelo trocador Pedrito Andrade. Saímos ao meio-dia
das Contendas (atual Brasília de Minas) e chegamos a Montes Claros já com as luzes
acesas, muito contentes por termos feito ótima viagem. Particularmente, tinha minhas
razões especiais de estar feliz, pois tinha sido presenteado, ao embarcar, com dez
notas de cem cruzeiros, oferecidas, gentilmente, pelo coronel Francisquinho Antunes,
amigo de meu Pai e meu também. Cheguei abonado para dar início à busca por um
lugar ao sol, numa terra rica de oportunidades e perspectivas positivas.

Tinha quatorze anos de idade, boa saúde, vontade de aprender e subir na vida,
começando pela matrícula no curso ginasial, o que já era um passo muito largo, no
caminho de flores e espinhos que sabia resumir a luta pela vida. Era mais um migrante
a engrossar a população desta cidade hospitaleira, que já andava pela casa dos trinta
mil habitantes. Hospedei-me na Pensão Madureira, na Rua Dr. Santos, 19, onde já
morava o mano Fernando. Na primeira noite, depois do jantar, saímos saciando minha
curiosidade de neomontesclarense, já que estivera aqui, rapidamente, aos onze anos.

O edifício mais alto era a catedral, deslumbrante aos meus olhos
adolescentes. Havia ainda os prédios do Hotel Santa Cruz, do Edifício Pedro Montes
Claros, em frente ao Clube Montes Claros, todos de três pavimentos. As ruas de Baixo
ostentavam orgulhosos sobrados, onde moravam as famílias mais antigas. Causaram-
me agradável impressão as bem decoradas vitrinas das lojas, coisa de cidade grande.
Loja Americana, Casa Ramos, Casa Alves, A Imperial, que realçavam o encantamento
das ruas movimentadas pelo vaivém. Era o “footing” da Rua 15 fervilhando de beleza e
mocidade. Eram o Big Bar, o Minas Bar, o Bar Soberano, de clientela fina e elegante.
Era o Restaurante Valério, de cozinha internacional. Montes Claros já tinha linha aérea.
Mesmo assim era pequena (e feliz). Havia apenas um juiz de direito, um promotor de
justiça, um delegado de polícia e o destacamento policial. Compare estes dados com
os números apresentados sessenta anos depois. Montes Claros é mesmo o coração
robusto do sertão, não resta a menor dúvida. Recordo-me, com nitidez, de que os
nomes mais citados, nas conversas de rua, eram os do prefeito capitão Enéas Mineiro
de Souza,paraibano, do bispo diocesano Dom Luiz Victor Sartori, gaúcho de Santa
Maria, e do gerente do Banco do Brasil, o baiano Francisco Barbosa Cursino. Montes
Claros sempre foi uma cidade cosmopolita, com gente do mundo inteiro, sendo esta
uma das razões de seu crescimento gigantesco. Aqui encontrei, em 1953, a imprensa

de então, composta do novíssimo O Jornal de Montes Claros, do jovem Dr. Oswaldo
Antunes; da antiga Gazeta do Norte, do cavalheiresco Jair Oliveira; e da Rádio
Sociedade Norte de Minas ZYD-7, vivendo sua idade de ouro de Mané Juca e Chico
Pitomba, mais Gregório Barrios, Orlando Silva, Dalva de Oliveira e outras estrelas.
Todavia, não encontrei os escritores Luís Carlos Novaes e Raquel Mendonça, que
nasceriam meses depois da chegada deste migrante.

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