quinta-feira, 29 de março de 2012

SER OU SER

* Raquel Mendonça

        “Depois de algum tempo você aprende (...) que o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você é na vida”, definiu sabiamente Shakespeare. Creio que desde muito cedo, aprendi, no convívio – menos de longos sete anos - rápido e profundo com meu pai, Cassimiro Xavier de Mendonça, de honrosa e amorosa memória; com meu avô paterno e padrinho – especial - de batismo, João Xavier de Mendonça (João Mendonça), para quem tudo que tinha em terras e bens que não acabavam mais era apenas “empréstimo temporário de Deus” (foi ele a doar, entre inúmeras outras “coisas” e a tantos outros nomes, familiares ou não, ao primo em 1º grau e amigo pessoal, Antônio Teixeira de Carvalho, o Dr. Santos, quando Prefeito da cidade, a área para construção da primeira pista de pouso do Aeroporto local), e com a minha querida e saudosa avó materna, Inês (Nenzinha) Pereira Veloso, de coração imenso, incomparavelmente grande e aberto, como as mãos, ao próximo, sem jamais externar pensamentos ou praticar atos que pudessem representar qualquer tipo de maldade ou diferença que fosse - de raça, cor, credo, condição financeira ou opção de vida - que o que importa mesmo à existência é ser e não ter, como pensam muitos; pior, como agem, “trabalham”, se comportam e vivem muitos!
        Ter para mim, se tanto, serve apenas para expressar a real amplitude da vida, ou seja, “ter” a consciência da existência plena, contida somente ou legitimamente nos limites do “ser”! Nunca tive, graças a Deus e aos ensinamentos de saudosos entes queridos, por dona e senhora de mim a matéria crua, nua de densidade, profundidade ou de ricos significados; nunca às coisas meramente materiais pertenci!
         A natureza íntima, a alma ou essência real de uma pessoa não pode estar atrelada unicamente a ter! Buscar ter para garantir a sobrevivência digna e ajudar o próximo no que puder, até mesmo além das próprias possibilidades, quando a necessidade é uma prioridade para a vida do outro (o alimento, o remédio, a saúde, a água, a luz...) é meritório, mais que isso é ambição negativa, que leva, muitas vezes, à miséria moral e a grau insuportável de mesquinhez humana! A pequenez de querer sempre mais, cada vez mais! A ambição desmedida, que chega à usura, à avareza, tantas vezes descontroladas e incontidas, a juntar bens materiais sem fim e sem jamais a partilha justa, honesta, generosa; a colecionar com gula insaciável moedas e mais moedas, muitas delas de origem duvidosa, desonesta ou indigesta – tornada ou transformada, dia após dia, em intransponível vazio, abismo humano, porque ter não significa ser coisa alguma; n`alguns casos mais graves, ao contrário, representa apenas nada ser.
        É preciso, pois, buscar obter ganhos efetivos e definitivos em ser e não em ter! Em esforços desumanos de pura e desenfreada busca pelo ter cada vez mais, visando ganhar e ganhar, comprar ou juntar mais e mais bens materiais, mesmo que passando sobre o direito ou propriedade alheios, o ser (humano) perde, o tempo todo, pontos preciosos no quesito ser, no mais das vezes de forma irrecuperável!
        Reconhecer o valor e a importância de ser, não de ter e obter, sem limite algum, faz-se necessário, assim, à vida erguida em plenitude, porque ter a posse de, possuir ou ter muito além do necessário não quer dizer, em nenhuma hipótese, que você “venceu na vida”, triunfou, melhor, que é feliz, inteiramente feliz e “resolvido”, realizado!...
        Há quem sonhe, dia após dia, somente com o acúmulo de bens materiais, à cata de grandes fortunas, como se isso fizesse, no mais das vezes – boa ou saudável – diferença interna! Para quem aprendeu, - nos bancos e passos suados da vida, na dura batalha diária, na luta leal e corrida limpa e ininterrupta pelo pão de cada dia, pelas coisas que realmente valem ou importam, - não apenas a somar, principalmente a dividir, para só então multiplicar, pensando além do horizonte ou domínio de si mesmo e dos seus mais próximos, mas em todos em redor, esta matemática de vida é má e menor, na verdade indigna e insignificante!
        Conseguir alcançar, adquirir, conquistar... o respeito, o reconhecimento, a paz de espírito, a consciência tranquila do dever cumprido, sem jamais se deixar vender ou corromper, por maior que seja, muitas vezes, a oferta desonesta recebida, é fugir do que só empobrece, do que jamais enobrece ou realmente enriquece, em seu sentido maior!
        Procurar ser em tudo correto, buscando fazer o melhor e o máximo possível, sempre, e ser do e pelo bem, sem se deixar afetar ou desanimar pelas incompreensões ou desinformações, mais, pela maldade e eternos bezerros dourados ou mazelas incuráveis da humanidade, que são a inveja, a calúnia e a maledicência: eis a receita certa para ser e ter paz de espírito para bem viver!
        Ter não é conter! Ser é conter e, mais, somar! No ganho muitas vezes ilícito, na corrida que só tem em vista o lucro, acaba-se por ter em vida somente o ter, e aquele que só tem em vida o ter – tão pobre ser! – esquecendo-se completamente de ser, termina por perder as melhores e mais valiosas coisas ou bens (imateriais) da existência!
        Apenas ser, tão somente ser, inteiramente! - eis, pois, a solução perfeita para quem coloca como questão primordial de vida a própria vida, em todas as suas dimensões, finitas e infinitas.
        É a questão que se põe ou se impõe a todo instante, a todo momento e em todos os lugares aos nossos olhos e coração: Ser ou Ser, eis, sem dúvida alguma, a melhor decisão a tomar, a melhor escolha a fazer!...

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