sexta-feira, 25 de abril de 2014

RAY COLLARES

 70 ANOS


* Raquel Mendonça

Ray foi um raio de luz fulgurante que passou por minha vida de apoiadora das artes e artistas desde muito cedo na cidade, de forma intensa e serena, ao mesmo tempo! Nada tenho a dizer - nem o permito ou algum dia permiti - contra ele em relação a mim, ou em relação a quem quer que seja, porque era uma pessoa totalmente do bem e se algum mal fez, em sua curta e mais que curtida, sofrida, bem sucedida vida, foi somente a ele mesmo!

Nascido Raymundo Felicíssimo Colares na vizinha Grão Mogol, o "Diamante Histórico Regional", em 25 de abril de 1944, filho de Felicíssimo Ferreira Colares e Joana Natalina Colares, a muito querida Dona Joaninha, que me acordava sempre no meio da noite, ao telefone, com a sua aflição natural de mãe, para me pedir, "mais uma vez, minha filha, por favor" socorresse ou resgatasse Ray de complicações (algumas "bravas") em bares e mais bares montesclarinos!

Eu me vestia rapidamente e saia sozinha, a pé, madrugada adentro, naquele tempo de tranquilidade, quando a violência ainda morava longe, bem longe da cidade, até o bar/restaurante onde e como ele estivesse, para resolver o que tivesse de resolver e, carinhosamente, tirá-lo dali, com o maior amor de irmã do mundo, mas, sei, ele considerava, de certa forma, pouco o que tinha em amizade a lhe oferecer. E do bar saíamos pelas ruas, andando, muitas vezes, longas distâncias, eu um pouco atrás dele, de andar mais célere, apressado, parando apenas em praças, onde dele ouvia coisas ou considerações no mínimo brilhantes, sublimes, até, ditas ou escritas somente por gênios entre os mais excepcionais - de todos os tempos! - da história da humanidade! O mesmo disse dele médico chileno que o atendeu nas últimas horas terrenas (horas muitas, o coração pulsando, batendo ainda, ou se debatendo, em suas derradeiras chamas, descendo ou "subindo" deslumbrante cachoeira acima, na direção do imenso brilho celestial que dele subitamente se aproximava...), no Hospital São Lucas, depois da tragédia hospitalar no ex e inóspito Prontomente, onde se auto internara, durante crise maior, e o fogo que partiu da ponta do cigarro a ele carinhosamente levado - a seu pedido! - quase inteiramente o consumiu, chegando a 80% do corpo.

"Sou homem da mesma maneira/ Quero uma mulher/Um grande amor/Um filho", escreveu um dia - à noite - e me entregou o papel, com mais um desenho (retrato) meu! Sei quanto sofreu de preconceitos, desprezo, entre pessoas improváveis também, e dificuldades de toda ordem! Na verdade, somente eu e alguns poucos amigos do peito "entendíamos" bem e admirávamos de verdade "aquele cara", muito antes de a sua arte alçar vôos maiores, explodindo país e mundo afora, como um foguete neoconcretista que se aliava às linguagens geométricas, embasando em paradoxos o construtivismo nada ortodoxo!...

Tornei-me sua "protetora" ou "Anjo da Guarda", como me chamavam alguns poucos, em reconhecimento e gratidão, e tudo fazia para amenizar os seus muitos sofrimentos! Ele me respeitava tanto que apenas bebia em minha presença (e olha que não conheço ainda nem vou conhecer nunca o gosto de bebidas alcoólicas, imagine então de outros "ingredientes", sabidamente em nada saudáveis!). Mas muitas vezes eu o encontrei no pior estado, vítima do - múltiplo e vezes excessivo - consumo, com destaque para a bebida, embora nada me desanimasse ou dele me fizesse desistir, continuando a fazer o máximo e o melhor possível por ele! "Sou sua irmã de espírito, alma e coração", lhe dizia! Sabe que pode contar comigo, Ray, que pode e poderá sempre...! Só não sabia que o "para sempre" entre nós seria tão rápido, vertiginoso, duraria tão pouco!...

Quando trabalhava no Núcleo de Assistência Empresarial (à Pequena e Média presa), o NAE/MG, ele me visitava com frequência ali, situado que era na mesma rua de sua grande família, a Dr. Santos, vestido como um príncipe ou aos pedaços, que eu recebia da mesma maneira, acolhia, recolhia e juntava, um a um, até vê-lo novamente inteiro e feliz, pelo menos quase completamente assim!

Da Papelaria de Nice David e seus muitos objetos, todas as nuances ou cores artísticas, para o Pelourinho histórico e inspirador de Salvador, onde nasceram os seu lindos "Alagados" e de lá para o Rio, que sabia ser a capital cultural do país, em que trabalhou como desenhista de jóias na H. Stern, entre outros ofícios. "Não sei se fico no Rio ou se volto para Montes Claros", pensava, poetava, constantemente! "Não sei se vou ou se fico". Aí ia e vinha para a sua amada Montes Claros. Voltava e ficava. E tornava a ir e a voltar! (...) "Voltar, rever os amigos...(...) Carne seca na janela.// "Sair de novo.../ Restar./ Prá que saber aonde ir?", concluía, em poesia. "Modificações/Modificar (transformar) as ações/ Ir embora?"/(...) Eu não sei por quanto tempo ainda ... vou pensar...", filosofava, poetizava, profetizava, em inúmeras pérolas poéticas, maioria delas perdida em preciosa agenda deixada esquecida - o que tanto lamentou! - em praça do Rio, mas muitas publicadas por nós em páginas do antigo Diário de Montes Claros, junto a inúmeros desenhos seus, como o "Pindorama I", "Pindorama II", também aos pedaços, vítima das inesperadas chuvas de agosto de 84 (o telhado colonial caindo ao lado...), que ilustrou a matéria "A Sensibilidade com Colorida Linguagem Pop", publicada em Suplemento do Jornal Estado de Minas, algum tempo depois de sua tristíssima, assustadora, e tão sentida, chorada partida!

Fez no Rio de Janeiro vários Cursos de Arte, mas livres, lembrando, em suas posições e decisões, parte de poema seu "(...) Na janela, o horizonte, a LIBERDADE de uma estrada que eu posso ver", abandonando, como outras, a Escola de Belas Artes, quando fez criativo contato artístico com Ivan Serpa.

Em 66, Ray Collares integrava a jovem "Vanguarda Brasileira de Arte", junto ao amigo Antônio Manuel, Hélio Oiticica, Lígia Pape e muitos outros, participando, no MAM (Museu de Arte Moderna do Rio), da Mostra "Nova Objetiva Brasileira", assim como da Coletiva "Galeria Contemporânea de Campinas"... Foi contemplado com premiações e mais premiações, como o "Prêmio de Pintura - Salão Esso de Artista Jovem" - MAM/RJ, e não parou mais...

"Ainda vou entender esse cara", se referia sempre a um dos seus artistas-referência, o Mondrian, e a sua também nova ideia plástica que a arte concreta pelo mundo inteiro lançara, apregoara...

Ministrou aulas de "Artes e Atelier Livre", além de "Desenho" em Colégio de Niterói. Em sua MOC querida, lecionou, além de Desenho, Pintura em Tela, Artesanato, Composição Artística e História da Arte no Conservatório Lorenzo Fernândez, em seu antigo prédio da Dr. Veloso, onde parede por ele pintada - e que cobriram absurdamente de tinta não artística depois - merece minuciosa, detalhada prospecção, bem como recuperação ou restauração cuidadosa!

Do Rio a Teresópolis, depois aos Estados Unidos, viagem que ganhou como prêmio pela melhor Exposição Individual no Rio de Janeiro, em 1970, via IBEU e ITT... Dali ao mundo todo foi só mais um salto, um pulo, considerado "um dos vinte maiores e mais importantes artistas plásticos contemporâneos do mundo", com muita justiça, na grande "Coletiva Modernidade" de São Paulo, em 1988...

Pintava, em princípio, paisagens, naturezas... (casas coloniais e outras mais), para sobreviver aos infindos e infinitos, duros problemas, apuros! E, a partir do seu amor às praças, onde ele se entregava ao banco mais próximo, convidativo e amigo, no meio do Rio, teve a sua atenção, de repente, junto ao seu olhar único e talento extraordinário definitivamente voltados e fixados nos ônibus urbanos e sua dinâmica veloz , - de modo especial em suas bem definidas e coloridas faixas laterais -, que passavam vertiginosamente à sua frente - foi ele a nos dizer! -, convertendo-as em arte genialmente poética e geométrica, e que só grandes colecionadores e museus no país e no mundo têm o privilégio de ter! Os ônibus das ruas "corridas" e surpreendentemente coloridas do Rio se transformaram, então, por suas mãos e constante, habilidoso movimento, em telas tecidas com tintas e pincéis próprios de tempos de extrema curiosidade e mudanças estruturais! Era o novo, a modernidade chegando, como um mar se pondo na areia, cheio de curvas e cortes profundos no meio do voluptuoso caminho!...

Premiado com viagem à Itália (1971)  - e foram tantos e tantos os seus grandes prêmios, aqui e alhures! -, teve o fogo novamente por "companhia" - que, parecia, o perseguia -, em caso a nós contado, como tantos em segredo guardados, em longo tempo de confidências, sem jamais "inconfidências" com insensíveis ou, no mínimo, despreparados para ser e aceitar, dominados por inúmeros preconceitos.

Depois de sua ida, fui eu que passei a senti-lo como que "andando um pouco atrás de mim" (chegava a "ouvir" seus passos peculiares!...), então um autêntico "Anjo da Guarda", lá do infinito e eterno mar/lar azul, sempre que a tristeza , alguma maldade ou perseguição feriam o meu coração! E até hoje o sinto presente, como um presente de Deus, ao meu lado, nos momentos de alguma dor ou desalento! Hoje é você a me olhar e proteger, eu sei, junto a tantas almas boas e benditas dos nossos nos céus!...

Na sua bela "Cantiga Caipira" que entre tantas publiquei: "Lá no meio da caatinga/ No cerrado, no sertão/Um rio, um pequizeiro/Canabrava..." Mas não adianta pedir "prá não mais chorar": "Você não pediu mas quis/estar no meio da Terceira Margem do rio/ (...) Onde não tem ir nem chegar", porque você sempre foi de provocar emoção, rios e rios de lágrimas de emoção, da mais pura, autêntica e inesquecível emoção, daquelas que se fixam, para sempre, no escondido, recôndito da alma; no canto profundo e inatingível do coração!...

No começo de sua bela "Cantiga" ou poema: "Lá no meio da caatinga/ um rio, uma pitombeira/ nesta longa estrada da vida/ Uma cantiga, uma ilusão..." que teve fim naquele inesperado 31 de março de 1986, de que não me lembro de esquecer, mas preciso, "prá não mais chorar".

Você sabe bem, no entanto, que não foi mesmo um fim, mas tão somente - e para sempre - um grande começo ou recomeço, porque os "raios de luz" assim tão legítimos, impetuosos e veementes não têm nunca um ponto ou traço final...

Parabéns prá você, nesta data, Querido, meu muito Amado Amigo-Irmão!...

Beijos eternos.




                                                   
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OBS.: Konstantin Christroff tinha toda razão ao dizer que "Ray Collares era tão grande pintor quanto poeta", deixando escritos em folhas soltas de papel poemas, no mínimo, esplêndidos! Os que sobreviveram, manchados ou parcialmente dilacerados pela intempérie repentina - as chuvas de agosto de 84 -, deixei com a amiga e colega jornalista Márcia Braga, para não sofrer, sempre que os via, em uma das muitas "pastas literárias ou artísticas" que tinha em casa.


quinta-feira, 24 de abril de 2014

Divulgação - Convite

Amigos(as),

É com satisfação que convido a todos para o lançamento do meu livro:
"RAYMUNDO COLARES E O FOGO ALTERANTE DA CRIAÇÃO". 

Clique na imagem para ampliar

Será no dia 25 de Abril, às 19 horas na Casa da Cultura de Grão Mogol, em meio à programação das homenagens póstumas, que o grande artista receberá da sua terra natal, na semana em que completaria 70 anos. 

OBRIGADA.
FELICIDADE PATROCINIO

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