sábado, 3 de janeiro de 2015

CRÔNICA: DOLOROSO ADEUS A HAROLDO LÍVIO

* Raquel Mendonça





No coração, a dor profunda do adeus ao grande amigo, mais que amigo, irmão, Haroldo Lívio. A sua tristíssima partida, da qual só tive notícia através do artista plástico e amigo Hélio Brantes, quase às 22h00 de sábado, dia 02 (estávamos ausentes da cidade no dia 1°), e porque o contato telefônico nosso (entre eu e ele ou eu e Maria do Carmo) mais frequente, era o da Secretaria de Cultura, na sexta-feira fechada. Duca me disse foram muitas as tentativas infrutíferas de me falar por parte de quem avisava os amigos do ocorrido. O que importa mesmo, no entanto, lembrou, para meu alento, foi ter podido estar com eles tantas vezes, não somente aqui, mas também na bela casa da família em Grão Mogol - diamante histórico regional -, junto a Ana Bárbara, que o admirava muito também e por quem tinha grande carinho! Ela se encontrou com ele recentemente, na entrada do Sobrado dos Versiani-Maurício/SMC, quando ele saia, depois de mais uma preciosa visita ao nosso setor e, em meio a cumprimentos, conversa gentil, cortês, afetuosa, falou alegremente, de forma bem humorada, palavras que acabam inesquecíveis.

Liguei para Magnus Medeiros, amigo comum, no sábado, e ele, que tanta força e apoio proporcionou à família antes e depois, relatou-me os fatos. Disse-me decidiu não me avisar, porque sabia quanto ficaria abalada. E concluímos que Deus sabe o que faz, porque não sei se suportaria - embora lamente muito não ter podido estar lá o tempo todo - despedir-me dele pessoalmente, em sala da Santa Casa, que em nada lembra o seu lar cheio de vida, verde, arte e beleza, distribuídos por todos os cantos e recantos, de forma harmoniosa e aprazível, pelas mãos de Duca. A bela casa no Todos os Santos sempre decorada, em momentos especiais ainda mais, com o extremo bom gosto e habilidade artística da amada esposa e mãe de três filhas de ouro, Clarissa Mônica, Fabíola e Luciana, a mais nova e que vinha levando o pai de carro ao Cartório em Porteirinha, depois de delicadas intervenções cirúrgicas pelas quais ele passou. Falando em Haroldo e Duca, foram quarenta e oito anos de uma união exemplar, cercada pelas graças e bênçãos de Deus e pelo amor, desvelo, vigilância, carinho e cuidado extremado de Maria do Carmo, que, nos últimos tempos e contratempos, se esquecia, muitas vezes, de si mesma, a partir das primeiras horas da manhã, para zelar por tudo que a ele dizia respeito, desde os remédios às refeições, auxiliada de perto pelas filhas, chegando a se levantar oito, dez vezes à noite, para ver como ele estava, para resolver o que faltara; para pensar, detalhar e programar o que fazer por ele e para ele no dia seguinte!...

No meu coração, a dor; na mão, o seu livro "Nelson Vianna, O Personagem" (Matéria de Jornal) - Edições Cuatiara -, dedicado a seus queridos pais José Luiz e Dalva (in memoriam), exemplar que dele recebi em 18.06.1996: "Para a querida amiga Raquel, com o maior apreço e admiração, oferece o autor". O Prefácio de jornalista do valor de um Oswaldo Alves Antunes, de cujo O Jornal de Montes Claros saiu a seleção de crônicas ali elaboradas e publicadas, lembra, o que também fica claro através de Waldyr Senna Batista. Oswaldo Antunes define: "Haroldo mostra em seu livro, às vezes com carinhosa ironia, outras com lirismo e saudade, a parte mais amena do labor jornalístico: relata casos, referencia pessoas e fatos históricos, como se lhe estivesse dando fé-de-ofício. (...)", livro que contou com participação de Antologia da obra “Montes Claros - Sua história, sua gente, seus costumes”, do também grande e saudoso historiador Hermes Augusto de Paula (Minas Gráfica Editora - 2a. Edição - 1979).

Nos últimos anos, Haroldo Lívio era assíduo e brilhante colaborador, com seus artigos e crônicas de primeira grandeza, leveza e poesia, do Jornal de Notícias/JN, de Edgar Antunes Pereira, sempre na página 02 do 1° Caderno ou no Caderno Especial de Domingo editado por Angelina Antunes.

Lá no alto, Haroldo deve ter sido recebido, em seguida à bela, sublime e festiva cerimônia de entrada organizada pela comitiva celestial, cercada de seresteiros da terra a entoarem "Amo-te muito" e "O Bardo", além de outras belas ("As mais belas modinhas", como registrou a também grande historiadora e escritora Milene Antonieta Coutinho Maurício) composições de João Chaves, por nomes como Dr. Veloso, Urbino de Souza Vianna e Hermes de Paula, aos quais tocou a tarefa, segundo Haroldo Lívio em seu livro, de cadastrar, minuciosamente, todos os dados históricos registrados desde a fundação dos primeiros currais de gado, que deram origem à cidade. Ao lado deles, a também grande historiadora, recentemente falecida, aos 98 anos de idade, Ruth Tupinambá Graça, a nossa muito amada, querida e admirada Rutinha, uma graça de pessoa, que se foi logo após o grande "Rei do Rock de Moc", Elthomar Santoro Júnior, e o genial, musical "Sapo na Muda" ou seu parente apressado Peré. Sem contarem outros tantos amigos e familiares idos, como o irmão Fernando. Claro, ao lado deles, o cronista, justa e merecidamente homenageado, Nelson Washington Vianna, já a partir do comentário do autor: "...dificilmente surgirá alguém que possa sobrelevá-lo em seus méritos de estilista e observador arguto dos acontecimentos que fazem o cotidiano da vida encantadora de uma cidade."

 Nada melhor, pois, para lembrar e homenagear o grande cronista e extraordinário historiador que ora nos deixa, que transmutar Nelson Vianna, o Personagem, nas palavras da crônica de abertura do importante livro, no próprio autor Haroldo Lívio: "Como sempre acontece na vida real, um belo dia o autor deixa a pena e se muda em personagem, como acaba de suceder com o imortal Haroldo Lívio de Oliveira. Os sinos dobram finados anunciando o desaparecimento de uma das pessoas mais admiradas, conhecidas e reconhecidas de Montes Claros. Finou-se aos 76 anos de idade, cercado do respeito e reconhecimento ao valor de sua vida e obra, o notável escritor e historiador Haroldo Lívio de Oliveira, brasilminense de estirpe fidalga que dedicou toda a força de seu amor e sua inteligência de escol à missão de garimpar o nosso passado./Montes Claros o pranteia porque foi ele, sem nenhum favor, um dos autores mais lidos da literatura montes-clarense, entre todos que mourejaram nas letras, aqui residindo e recolhendo a história local da boca do próprio povo."

Além disso, a Haroldo coube pesquisar, desde muito jovem e a fundo, a história da cidade onde escolhera viver, constituir família e construir uma das mais belas e inspiradoras histórias de vida!! E ninguém melhor do que ele havia para relatá-la, dado a dado, data a data, personagem a personagem, de forma sempre fiel, precisa, inteiramente pertinente e profundamente fundamentada em fatos reais! Tanto que, volta e meia, somente junto a ele tirávamos dúvidas as mais diversas, muitas vezes em atendimento a alunos de todas as séries e escolas, maioria deles mestrandos, doutorandos de instituições de ensino superior de Montes Claros ou não, interessados em inúmeros nomes e acontecimentos que permearam a rica e pacífica - vezes conturbada, via Rua de Baixo x Rua de Cima, entre conflitos ou episódios bravios outros... - história da cidade, informando os seus telefones e endereço eletrônico, para dirimirem dúvidas sobre os fatos históricos mais complexos ou contraditórios, até mesmo entre historiadores, normalmente relacionados a grandes e polêmicos nomes do passado, seus feitos, muitos deles cruéis e inacreditáveis; envolvimentos e complicados acontecimentos políticos de que participaram ou mesmo lançaram, porque a ele "coube o laborioso e paciente recenseamento - histórico e cultural - de nossa Montes Claros de seu tempo e dos tempos de antanho"! Osvaldo Antunes completa: "... e dizer que através da janela desse Nelson Vianna, o Personagem, nós, retirantes do tempo, contemplaremos paisagens humanas vivenciadas ou cuidadosamente pesquisadas por Haroldo Lívio, - também memorialista de primeira água -, que se coloca entre seu personagem Nelson Vianna e seu quase conterrâneo Niquinho Teixeira, de memórias análogas.

Aqui deixou Haroldo, além de sua maravilhosa família, inconformada multidão de amigos e admiradores, entre os quais eu e minha filha nos incluímos! Era um ser humano excepcional, querido por todos que o conheciam, liam ou dele recebiam sempre as mais corretas e completas informações históricas ou lições. A ele encaminhávamos muitos e muitos nomes, quando os questionamentos ultrapassavam as fronteiras de nosso tempo e conhecimento que, por mais extenso que seja nessa área cultural, em função da já longa experiência de trabalho, não alcançava a vastidão de informações acumuladas por Haroldo em uma vida inteira de pesquisas no ramo da história!
                      
Agora o que fazer, além de reverenciar para sempre o seu imenso legado; nome, trabalho e história dignos, honrados, inapagados?! Quando alguma dúvida surgir ou faltar algum dado imprescindível para compor mais de trezentos anos ou páginas de história montesclarina, restar-nos-á elevar o olhar aos céus e pedir a ele, piedosamente, lance as informações em forma de gotas ou generosas chuvas de sabedoria - que tinha de sobra! - pelas janelas a ele abertas do paraíso, e que se materializarão, com certeza, como por milagre, aqui na terra, em mentes e corações preparados para espiritualmente recebê-las...

Obrigada por ter existido em nossas vidas (e trabalho) amigo Haroldo! Não estava autorizado a nos deixar tão cedo - eu lhe cobrei muitas vezes a mais longa “vida longa” ou longevidade do mundo! -, mas Deus haverá de dar à sua família e amigos sinceros e verdadeiros toda a fé, força, conforto e consolo necessários, para aprenderem a viver sem a sua presença apenas física, porque, não há dúvida, você continua mais vivo e mais amável do que nunca entre nós, eternamente encantado e preparado para contar e recontar, todo o tempo, histórias memoráveis, antológicas, inesquecíveis da cidade que teve a honra de tê-lo como um de seus filhos mais ilustres, insignes, sérios, corretos, honestos e éticos! E obrigada pela imensa e imorredoura amizade entre nós!...

Sei que se foi excepcionalmente bem composto, sob todos os aspectos, trajado, produzido, nos mínimos detalhes (o terço branco da pureza entre as mãos...), para uma grande festa de gala e louvor eternos nos céus, como poucos no mundo o são, mais um mérito da esposa Duca, que contou com a ajuda de amigas vizinhas, e sob o som de todos os cânticos, credos e orações! A grande cantora lírica Maristela Cardoso estava lá, ao lado de nomes como Dona Yvonne de Oliveira "Centenária" Silveira - Salve “Olintho da Silveira Setentão”, uma de suas belas e comoventes crônicas -, que o homenageou em poéticas, harmoniosas, emocionadas palavras e ao segurar, firmemente, alça de seu último berço; Maria Luiza Silveira Telles, a nossa extraordinária escritora, país e mundo afora; o amigo de longa data e papos literários, José Luiz Rodrigues, o Zé Luiz; jornalista e parceiro Paulo Narciso; os companheiros de Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros - IHGMC, Itamaury Teles, Wanderlino Arruda, Dário Cotrim e tanta gente mais, porque você queria e teve um milhão de fiéis e devotados amigos! Deixando a sua última morada, houve quem regasse o tronco de árvore próxima com densas lágrimas de dor e adeus...

Adeus então, como em crônica falou ao seu pai super-herói, o montes-clarense da atual Rua Gonçalves Figueira, parte do Centro Histórico da cidade, José Luiz de Oliveira, Imperador do Divino das Festas de Agosto de Montes Claros, sonho irrealizado de Darcy Ribeiro! Adeus então, querido e sábio companheiro de trabalho de cunho histórico, admirável e inesquecível Irmão-Amigo, a quem, não por acaso, eu chamava "Mestre" e lhe beijava a mão na despedida, após conversas próximas ou no Café Galo, bem como no setor de Patrimônio Histórico e Cultural de Montes Claros, por tudo que era e reuniu sobre a verdadeira história da cidade, cujos filhos, legítimos ou legitimamente adotivos, afetivos, o aplaudem, longa e sonoramente e, penhoradamente, agradecem-lhe toda a atenção, afeição, interesse e ensinamentos, para sempre e alegremente em pé, embora chorando a perda de um grande e insubstituível mestre e amigo!

É realmente incalculável a sua contribuição à cultura, história, literatura e imprensa da cidade e região! Muito ainda haveria a dizer, destacar sobre você, mas não podemos, neste momento, deixar de falar, alto e bom som:

                           Viva Haroldo! Viva!...

* MISSA DE 7° DIA: ÀS DEZOITO HORAS DA PRÓXIMA QUARTA-FEIRA 07/01/2015, NA CAPELA DO COLÉGIO IMACULADA CONCEIÇÃO.

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