ROMÂNTICO
por Aristônio Canela*
O Termo é
vezes tantas ouvido nas diversas conversas, nos levando a dar-lhe pela força
das modernidades, uma aura de fraqueza e pieguice trilhando um caminho cada vez
mais incoerentemente pavimentado em secundarismos, deixando na poeira do
esquecimento gestos e atitudes benfazejas transbordantes de carinhos.
As
competições cotidianas, propondo uma vida atribulada nos seus menores detalhes,
na tentativa de sobrevivência, nessa guerra social, a meu ver instrumentada por
indivíduos espúrios, gananciosos, de olhos abertos apenas para seus umbigos,
fazem das manifestações românticas, na grande arte de viver, um ponto de menor
importância destruindo o corpo do puro sentimento por tê-lo em plano de
estorvo.
A prosa, o
verso, a música, a pintura, o teatro, vêem tomando formas agressivas em
mordidas dolorosas, fazendo almas sangrarem salientando em vivas cores
defeitos, guloseimas de sombras tenebrosas, propondo violência como única saída
na resolução de problemas, amiudando cada vez mais a beleza do amor, eterno
guardião da liberdade.
As
atitudes invasivas espocam num modismo pavoroso, criando espaços ocupados por
incentivadores especializados apenas em momentos, todos eles massacrando a
harmonia social, fomentando a cada minuto, usando o complexo da mídia, a lei
daquele que mais pode, apagando o respeito mútuo e enaltecendo o rompimento dos
direitos individuais, propiciando uma grande barreira para o desabrochar de
atitudes simples, meigas, carinhosas, alimentadas pelas almas das paixões.
Nesses
tempos de destaques das conquistas a qualquer preço, amar passou ser um
processo obsoleto vivido apenas pelos fracos, entidades sofredoras, angustiadas
diante de tanta agressividade mas, para gáudio da beleza, da sedução e dos
mistérios dos sentimentos, os nichos românticos resistem à tamanho assedio e
promessas de realizações instantâneas.
Romântico
é um adjetivo da Língua Portuguesa, definido no seu comportamento lírico e na
literatura tornou-se um movimento chamado Romantismo, de características muito
próprias ocupando um espaço de anseios e poesia, evocando um estado d’alma onde
o sentimento transborda “in natura” sem nenhuma amarra social com nobreza e
deleite extrapolando cotidianos, reinando num terreno de realidade-fantástica
individual, podendo até se transformar em coletivo, na conformidade da vivência
nas tribos parceiras, dando vida e açulando as imaginações férteis.
O
Romantismo foi uma atitude artístico-político-filosófico surgido no século
XVIII na Europa, seguindo ao longo do XIX, contrário ao Racionalismo e
Iluminismo, consolidados nos países Europeus destacando-se a França.
No Brasil,
em 1823, o sentimento nacionalista vinha à tona nos versos poéticos
desvinculado dos padrões clássicos livres, sem métricas e brancos, dando asas
às causas do coração na sua subjetividade de sentimentalismo no fluir da dor e
prazer.
A prosa
criava o “Romance Urbano” lidando com a vida social nas cidades descrevendo
tipos e comportamentos. No “Romance Regional” destacava-se a vida interiorana e
suas íntimas características. O “Romance Histórico” valorizava o passado e seus
personagens e o “Romance Indianista” tinha o índio como seu ator principal.
Na poesia
via-se o Nacionalismo buscando a identificação do país e sua história. O mal do
século em 1850 exaltava a dor, solidão e pessimismo, tudo exagerado e o
Condodeirismo punha-se no desejo de plena liberdade refletindo-se no voo do
condor, nas alturas, acima de tudo.
As noites
Diamantinenses desfilam por eternidades, evocadas nas conversas de qualquer
botequim, freqüentado por indivíduos especializados nas artes notívagas em
conluios de línguas desvairadas, aumentadoras de pontos nos contos, revestidas de
fluidez bafejadas pelo mordiscar de uma imaginação repleta de personagens,
todos absolutamente envolventes e sedutores. Não sei bem que tipo de química é
essa mas, posso afirmar com segurança a veracidade do fato por ter vivido dez
anos respirando aquele ar de puro mistério.
Sempre foi
por mim freqüentado, no Beco-Mota, o “Correntão”, local afamado por reunir
músicos, poetas, romancistas, vagabundos e damas da noite de várias tendências
filosóficas, inclusive aquelas que diziam sim apenas para festejarem o instante
de paixão.
Depois do
segundo “Cuba-Libre”, antecedido por duas loiras geladas, num sábado envolvido
pela magia de um manto madrugueiro, costurado por estrelas em piscagens
insinuantes, desci a escada de degraus em madeira, num ploc –ploc de meus
sapatos inundando a rua, de mãos nos bolsos,
com dificuldades no equilíbrio e assobiei uma canção de harmonia
perfeita em serenata a lua cheia de feminilidade numa postura sensual, sorrindo
para mim.
Lembro-me
bem quando me sentei no banco da pracinha por onde escorria uma calma
impressionante e semicerrei os olhos num suspiro longo deixando o ar invadir
meus pulmões e lamber minha alma. Lentamente fui tomado por um processo
libidinoso, entranhado em minhas veias e pude ver, com nitidez, suas formas
voluptuosas desenhadas naquela boca de lábios macios e língua serelepe a me
endoidecer em tantos carinhos e juras de amor. Ela, completamente nua,
envolveu-me no seu corpo leitoso, num vai e vem compassado até nos entregarmos
a exaustão dos encontros cósmicos quando o sêmen de nós, misturou-se a natureza
sorridente.
Não posso,
a bem da verdade, absolutamente comprometida nesse texto, determinar o tempo
passado naquela peleja. Sei apenas do meu despertar quando um friozinho passeou
por meu dorso exposto arrepiando meus cabelos e intimando-me a ir embora.
Entrei em
casa ainda pisando nuvens e atirei-me no “Verdão”, velho sofá tão meu
companheiro e dormi um sono profundo, sem sonhos e de extrema reparação.
O dia
amanheceu para mim beirando as onze, após uma ducha quente e mostrou-se numa
deslumbrante felicidade.
Hoje, no
retrovisor, vejo as pegadas dos sessenta e entendo o porquê de nunca mais ter
parado de parir amor.