*Por Manoel Hygino
Haroldo Lívio de Oliveira saiu de cena sem consentir o
epílogo, a alocução com que, entre os antigos, acabada a peça teatral, um do
atores se dirigia ao público para resumir a obra, gabar seus merecimentos e
solicitar aplausos. Coube, assim, como imprescindível, aos seus amigos e
companheiros de idéias e ofício, fazer a síntese de uma vida dedicada à amena
convivência, ao mais saber e ao mais ensinar.
Nascido em Brasília – a de Minas, a velha Contendas; foi
titular de cartório de Registro de Imóveis, por concurso, em Porteirinha. Em
Montes Claros se consagrou como advogado, jornalista, escritor, e consultor
para todas as questões que precisavam ser deslindadas sobre a grande região
norte-mineira. Acima de tudo, foi um ser humano exemplar e querido.
Com apenas um livro publicado (certamente com outros em
elaboração e finalização) primou-se pela sobriedade no texto sobre os temas
focalizados. Distinguiu-se pela lhaneza - no trato e pelo notável cabedal em
termos de história, costumes locais e regionais dos seus personagens.
É penoso redigir estas linhas sobre um homem de bem, e que
partiu como ele o fez: de supetão. Em artigos ou crônicas para os periódicos
locais, redigiu o necrológio daqueles que pelo sertão mineiro passaram e a ele
serviram com desprendimento e carinho. Foi um dos mais conceituados entre os
jornalistas que se incumbem desse doloroso mister.
Razão tinha Oswaldo Antunes, ao prefaciar “Nélson Vianna, o
personagem”, tantos anos atrás. Lembrou Francis de Croisset ao ajudar compor
“As Vinhas do Senhor”. Comentou que a leitura é uma viagem dos que não podem
tomar o trem, pensamento próximo do jeito brasileiro de acompanhar, da janela
das composições ferroviárias, panoramas que cruzavam o sertão como televisão
dos retirantes.
Através de seu livro e de inúmeras colaborações para a
imprensa, nós, retirantes do tempo, contemplamos e evocamos paisagens humanas
transpostas à letra de forma por Haroldo Lívio. Seu plano maior era mudar-se
para Grão-Mogol, a jóia do sertão mineiro, cidade encravada nas pedras e em que
Lúcio Bemquerer construiu um presépio de rara beleza e de imenso conteúdo
espiritual e humano.
A residência de Haroldo seria na antiga rua Direita, no
centro histórico. Registrou Wanderlino Arruda: “É obra granítica, com paredes
de meia braça, a sustentar janelas coloniais, portas imensas, de duas bandas,
com pesadíssimas travas e ferrolhos, frutos, não só da segurança mineira, mas
da senhorial competência de seus ferreiros de antanho”.
Projeto concluído, com todo o mobiliário no melhor gosto,
ela não serviu ao desejo e sonho do autor, que ali teria incontestavelmente o
lugar ideal para meditar, recordar o passado e escrever. Ali, se sentiria no
Jardim de Academos, pois tem uma imagem que lembra regiões da Grécia.
Protegida pelas agressivas muralhas da Serra Geral e fundada
sobre bacia mineral, a cidade alterosa é uma fortaleza de pedra, como ele mesmo
escreveu. Suas ruas estreitas e tortuosas, pavimentadas outrora de seixos
rolados, coloridos, imitavam um bordado. E há agora, o presépio- Mãos de Minas.
Haroldo parecia ter pressa. Partiu no último dia de 2014.