Exposição de Fotografias Instituto Vidas Áridas
Mara Narciso*
Era tão
normal visitar as cidades de Pirapora, São Francisco e Januária e achar aquela
imensidão de água e navegabilidade. Montes Claros está a cerca de 140 km em
linha reta do Rio São Francisco, o Rio da Integração Nacional, e, ao vê-lo
morrendo ficamos nos perguntando como ele resistiu por tanto tempo aos descasos
e agressões seculares. Agora, jaz enfermo, parcialmente morto. Vendo-o
comatoso, entendemos o quanto fomos estúpidos.
Alcides Alves da Cruz, meu pai, foi criado às suas margens,
em Januária. Nadava bem, e numa ocasião salvou um homem de afogamento,
trazendo-o do meio do Rio para a margem. Memória heróica. Já a minha mãe,
Milena Narciso Cruz, não sabia nadar, e contava de uma experiência no Rio São
Francisco, quando nem conhecia meu pai. Foi num grupo da escola fazer um
passeio, e um rapaz, após o almoço, saltou da canoa onde as moças estavam, e
mergulhou para sempre em suas águas. Lembrança trágica.
Fiz muitos
passeios ao Rio, e me lembro do que ele me deu: surubins, dourados, vesperata,
viagens no Benjamin Guimarães, embarcação centenária a qual chamam “gaiola”,
travessias de balsa em Pedras de Maria da Cruz, passagem pela ponte entre os
estados de Sergipe e Alagoas, em Propriá, e lá atrás, de um lado Juazeiro, na
Bahia e do outro Petrolina, em Pernambuco. Outro local diferente é Barra de
Guaicuí, próxima de Pirapora, às margens do seu principal afluente, o Rio das
Velhas, onde há uma igreja inacabada, com a impressionante árvore no topo do
paredão, com suas raízes incrustadas na pedra. Temos ainda as músicas
inspiradas em coisas boas e más: “Sobradinho” de Sá e Guarabira (“O homem chega
e já destrói a natureza, tira gente e põe represa, diz que tudo vai mudar”) ou
“O Gaiola” de Josecé Santos (“Eh, lá vai o gaiola, carregando na bagagem
esperança e nostalgia, sai de Pirapora, seu destino é Juazeiro na Bahia”).
São tantos
os cenários. Não conheço o Rio em São Romão, Manga, ou Bom Jesus da Lapa, tão
famosa por suas romarias. E nem em Três Marias, usina hidrelétrica que chegou a
ter 3% do seu volume habitual de água. O nosso Rio é quase um retrato na
parede, como mencionou Drummond ao se referir a sua Itabira. Nós o destruímos.
Começou
como inquietação, seguida de exposição de fotografias há três anos. Depois Vidas Áridas virou expedição, e
caminha como instituto, levando a bandeira “O sertanejo tem fome de água”. A
louvável iniciativa de registrar a degradação do Velho Chico, alertar e
sensibilizar a população e o governo para que tomem consciência e dela resulte
em revitalização, veio de Délio Pinheiro, Geraldo Humberto e Soter Magno, e
ganhou boas dimensão e repercussão. A primeira viagem foi em julho de 2014.
Agora, a terceira exposição de fotografias, em cartaz de oito a 19 de abril,
resultado das suas andanças de mais de três mil km ao longo do Rio São
Francisco, está no Montes Claros Shopping Center, e vai ser mostrada em outras
cidades, inclusive em Brasília. Os trabalhos desses voluntários ambientalistas,
fotógrafos e gente da imprensa já rendem seus frutos, atraindo a atenção do
Brasil.
Vidas Áridas estava hoje no Programa Nossa Arte Nossa Gente,
da Rádio Unimontes, falando do que já fizeram – palestras em escolas,
promovendo a educação de crianças para a preservação e uso racional da água-,
assim como estimulando ações de recuperação tais como o cercamento de nascentes
em toda Minas Gerais, e limpeza de ribeirões, afluentes de rios que irão para o
Rio São Francisco, uma grande calha. Desta forma, não mais discutem a
transposição, da qual são contra, pois consideram que são “águas passadas”, e
lutam pelo que ainda resta. Antônio Jackson Borges, do Comitê da Bacia do São
Francisco, alagoano de nascimento e mineiro de alma, acredita que o projeto,
que já consumiu mais bilhões do que era previsto, deverá ser abandonado, pois a
vazão do rio se reduziu a quase nada. Diante da desolação, a Expedição Vidas
Áridas encontrou ações individuais animadoras.
Que todos
olhem para o nosso Rio, e reduzam o despejamento de dejetos em seu leito,
recuperem as suas margens do assoreamento, reflorestem, reponham a sua fauna,
propiciem uma melhora das suas águas. E que os governos providenciem políticas
públicas eficazes, leis que as regulamentem e que multas sejam executadas em
favor do Rio.
A mostra fotográfica do Rio São Francisco destruído, que
chora sua dor de lágrimas tão secas quanto seu manancial hídrico, com suas
imagens chocantes e tétricas traz um choro amargo de repugnância de nós mesmos.
E que os ribeirinhos e demais moradores sedentos do norte de Minas, lamentem
sua destruição, mas atuem. Assim poderão ser salvos por ele, desde que o
salvem.