Voando e rindo no lindo "Diário de Marina"
Raquel Mendonça*
Li num só fôlego (e risos, diante do pessoal, especial e
extraordinariamente delicioso humor da nobre e encantadora autora) o belíssimo
livro "Diário de Marina" de Marília Mendes Campos Versiani, com
ilustrações marcantes de Marcelo Ramos, editado pela Gráfica O Lutador, de Belo
Horizonte, onde foi lançado, na Livraria do Ouvidor, agora em Montes Claros, no
Centro Cultural Hermes de Paula, no último dia 17.04.2017, às 18h30.
No feliz Prefácio, Rafael Arantes Versiani - difícil crer não seja
poeta, escritor - já adianta: "A crônica como objeto textual é uma possibilidade
de impedir que as memórias sejam devoradas pelo tempo. Neste livro, que você
tem agora em suas mãos, a primorosa cronista Marília Mendes Campos Versiani
apresenta seus retratos da vida e seu universo uma vez secreto: seu
diário."
O livro que tenho em mão, no
momento, é de sua filha Cláudia, esposa do grande artista plástico e arquiteto
Hélio Brantes, destacando-se a delicada dedicatória: "Para a querida
Cláudia, um abraço de sua mãe, Fofinha!!!" Fofinha, Maricota são, na
verdade, apelidos carinhosos de Marília, com a sua filha, Patrícia Mendes
Campos Versiani, lembrando no livro, onde retrata a mãe, que ela sempre gostou
de contar suas histórias, nele compartilhadas com mais pessoas. E explica:
"Este dom para contar histórias cresceu por ter sido bibliotecária,
vivendo, então, em meio ao mundo fantasioso - e rico - dos livros."
Você vai se deliciar com as maravilhosas memórias de Marília, crônica a
crônica! Ela começa com o "Diário de uma adolescente sem grandes
proezas" (Belo Horizonte, 25 de dezembro de 1940), com que abre alegre e
brilhantemente o livro, no qual conhecerá toda a sua doce e saborosa
experiência de vida, em quase 90 anos de idade e sabedoria! Vale a pena ler!...
O primeiro parágrafo é indispensável ao
entendimento e apreciação do livro por inteiro: "Entre os presentes que eu
ganhei hoje, de duplo significado (...), encontrei este belo caderno de capa
dura, decorado com anjos barrocos e munido de um pequeno cadeado com chave,
para expor com segurança o lado confidencial de minha vida, como todo diário
que se preze. No cartão que acompanhava o presente estava escrito, com letra
firme e bonita: "Marina, continue a ser a menina alegre, sincera e
corajosa que você é." Pelo visto e pelo lido, ela continuou sendo tudo
isso e mais um pouco, sempre, para felicidade de toda a sua numerosa família,
legião de amigos e leitores!...
Vai conhecer a sonhada "bicicleta de pneus-balão" e nunca
entendida pelo Papai Noel, na tradicional carta de Natal, contendo o ingênuo
pedido de presente (Noel norueguês, que "não entendia português");
Dolores e Isabel, criaturas divinas e do mais puro saber e existir,
"lindas imagens de mulher" ou "doçuras de favos de mel",
com Marília enfatizando: (...) "Não tínhamos tudo o que queríamos quando
crianças, mas habitávamos uma ilha, cercada de carinho por todos os
lados!" Sobre o crime na avenida, concluiu, em suas orações: "...
Pedi um festival de saúde para toda a família, uma bandeira branca para os
conflitos pessoais e mundiais, bem como um pouco mais de money" (que
pedido mais atual e para todos os seres éticos, corretos e honestos deste país
de poucos, dilapidado pela mísera corrupção, meu Deus!).
Vai admirar todos os odores, sabores e cores literários de Marília, no
seu talento genuíno, página a página, passando ainda pela estranha e misteriosa
"chuva de pedras" na casa mal-assombrada do bairro onde morava; a
amiga Nely e seu sonho de amor entre os mortos, além da morte imaginária;
aventuras e mais aventuras bem contadas, narradas, vivenciadas; a história
ilária do Vovô Padre, com quem me identifiquei, porque, igualmente,
"detesta qualquer tipo de injustiça"; segunda-época do irmão Luís em
desenho geométrico e artístico e o verdadeiro "milagre" de Frei
Eustáquio - pouco dinheiro e muita bênção", o que é, ao meu ver, o melhor
a se buscar, todo o tempo, alcançar...; não acreditar em bruxos, "mas que
eles existem é um fato consumado", com o Melão e seu problema de loucura
ou perversão!; e, no fascinante Reinado de Momo, o Carnaval, "Quanto riso,
quanta alegria, mais de mil palhaços no Salão!", o seu plano - falível -
para mais um dia de folia...; Baile de Carnaval do MTC de BH, com uma vela
acendida para Deus e outra para o Diabo; Ídolos e Heróis... do cinema, da
política (que havia, claro, apenas no passado mais distante e que volte o
indomável "vendaval a favor da democracia" e da honestidade com a
coisa pública, do tostão ao milhão, bilhão... de dólares!); da religião, com
São Francisco, meu santo de devoção, "continuando soberano", mas,
principalmente, dos esportes, com o "belo" Heleno de Freitas e seus
belos gols de bicicleta... E o Galo na cabeça, claro, com total serenidade
esportiva!...
O footing da Praça da Liberdade de Belo Horizonte, que, num vôo ao
passado, lembrou-me o da antiga Rua XV da cidade, "uma procissão sem andor...",
com a mesma dose de inocência e ingenuidade, porque, afinal, "a fama do
mineiro - e da mineira - é a de ser um tímido, introvertido inveterado e amar
em silêncio por muito e muito tempo"...; entre Sonhos e Pesadelos,
"as terríveis e insolúveis provas orais e escritas de matemática aparecem
frequentemente em minhas noites aflitivas. Já os sonhos, aqueles que só
acontecem quando estou deitada em berço esplêndido, se assemelham mais a filmes
de curta metragem, geralmente em preto e branco, embora possam ocorrer também a
cores."
"O presente e a janela indiscreta" ela os abre para você aos
quinze anos, quando vai conhecer a cidade maravilhosa do Rio de Janeiro e se
encanta totalmente pelo mar de Copacabana, discorda de Dorival Caymmi, recria e
canta: "É doce viver no mar, nas ondas verdes do mar..."; em
"Matemática, um atraso de vida", ela explica o "DCD":
dinheiro curto e difícil. Ela, sempre ela, a matemática, continuava sendo um
atraso de vida em sua vida escolar, sem outras dificuldades mais - o mar azul
de notas várias, rodeado pelo mar vermelho da matemática, arrematando o livro -
ou o fechando com chave de ouro - com a crônica "No mundo das
siglas", junto a Nely, que serviram às suas comunicações secretas, como
códigos secretíssimos, através do jornalzinho que circulava somente entre as
duas, o "PRHN-RSP: Novidades - Rádio Segredo de Paraúna. A "LVV:
livro vai e volta (quando?!), IDD: imbecil em dose dupla (quantos?!), LSPL:
lutar, se preciso for (sempre!), FCC: filhote de cruz credo, LQST: Libertas
quae sera tamen..., palavras pequenas em lugar das grandes!...
Parabéns, Marina, por compartilhar conosco os seus sonhos de menina e
mulher, mãe, avó, bisa, a partir dos 13 anos de idade; por nos fazer voar a
tempos distantes, inesquecíveis e fazer de nós uma testemunha a mais de tantas
realidades vistas e vividas por você, especialmente sentidas, de forma
profunda, com o seu grande imaginar, inspiração, humor e emoção! Obrigada! Muito
obrigada! E beijos, muitos beijos no seu imenso coração de menina!...
* Promotora Cultural, Historiadora, Jornalista e Escritora,
Membro da Academia Montes-clarense de Letras/AML e da Academia de Letras,
Ciências e Artes do São Francisco - ACLECIA