sexta-feira, 21 de abril de 2017

- Crônica -

Voando e rindo no lindo "Diário de Marina" 

 Raquel Mendonça*


Li num só fôlego (e risos, diante do pessoal, especial e extraordinariamente delicioso humor da nobre e encantadora autora) o belíssimo livro "Diário de Marina" de Marília Mendes Campos Versiani, com ilustrações marcantes de Marcelo Ramos, editado pela Gráfica O Lutador, de Belo Horizonte, onde foi lançado, na Livraria do Ouvidor, agora em Montes Claros, no Centro Cultural Hermes de Paula, no último dia 17.04.2017, às 18h30.

No feliz Prefácio, Rafael Arantes Versiani - difícil crer não seja poeta, escritor - já adianta: "A crônica como objeto textual é uma possibilidade de impedir que as memórias sejam devoradas pelo tempo. Neste livro, que você tem agora em suas mãos, a primorosa cronista Marília Mendes Campos Versiani apresenta seus retratos da vida e seu universo uma vez secreto: seu diário."

O livro que tenho em mão, no momento, é de sua filha Cláudia, esposa do grande artista plástico e arquiteto Hélio Brantes, destacando-se a delicada dedicatória: "Para a querida Cláudia, um abraço de sua mãe, Fofinha!!!" Fofinha, Maricota são, na verdade, apelidos carinhosos de Marília, com a sua filha, Patrícia Mendes Campos Versiani, lembrando no livro, onde retrata a mãe, que ela sempre gostou de contar suas histórias, nele compartilhadas com mais pessoas. E explica: "Este dom para contar histórias cresceu por ter sido bibliotecária, vivendo, então, em meio ao mundo fantasioso - e rico - dos livros."

Você vai se deliciar com as maravilhosas memórias de Marília, crônica a crônica! Ela começa com o "Diário de uma adolescente sem grandes proezas" (Belo Horizonte, 25 de dezembro de 1940), com que abre alegre e brilhantemente o livro, no qual conhecerá toda a sua doce e saborosa experiência de vida, em quase 90 anos de idade e sabedoria! Vale a pena ler!...

O primeiro parágrafo é indispensável ao entendimento e apreciação do livro por inteiro: "Entre os presentes que eu ganhei hoje, de duplo significado (...), encontrei este belo caderno de capa dura, decorado com anjos barrocos e munido de um pequeno cadeado com chave, para expor com segurança o lado confidencial de minha vida, como todo diário que se preze. No cartão que acompanhava o presente estava escrito, com letra firme e bonita: "Marina, continue a ser a menina alegre, sincera e corajosa que você é." Pelo visto e pelo lido, ela continuou sendo tudo isso e mais um pouco, sempre, para felicidade de toda a sua numerosa família, legião de amigos e leitores!...

Vai conhecer a sonhada "bicicleta de pneus-balão" e nunca entendida pelo Papai Noel, na tradicional carta de Natal, contendo o ingênuo pedido de presente (Noel norueguês, que "não entendia português"); Dolores e Isabel, criaturas divinas e do mais puro saber e existir, "lindas imagens de mulher" ou "doçuras de favos de mel", com Marília enfatizando: (...) "Não tínhamos tudo o que queríamos quando crianças, mas habitávamos uma ilha, cercada de carinho por todos os lados!" Sobre o crime na avenida, concluiu, em suas orações: "... Pedi um festival de saúde para toda a família, uma bandeira branca para os conflitos pessoais e mundiais, bem como um pouco mais de money" (que pedido mais atual e para todos os seres éticos, corretos e honestos deste país de poucos, dilapidado pela mísera corrupção, meu Deus!).

Vai admirar todos os odores, sabores e cores literários de Marília, no seu talento genuíno, página a página, passando ainda pela estranha e misteriosa "chuva de pedras" na casa mal-assombrada do bairro onde morava; a amiga Nely e seu sonho de amor entre os mortos, além da morte imaginária; aventuras e mais aventuras bem contadas, narradas, vivenciadas; a história ilária do Vovô Padre, com quem me identifiquei, porque, igualmente, "detesta qualquer tipo de injustiça"; segunda-época do irmão Luís em desenho geométrico e artístico e o verdadeiro "milagre" de Frei Eustáquio - pouco dinheiro e muita bênção", o que é, ao meu ver, o melhor a se buscar, todo o tempo, alcançar...; não acreditar em bruxos, "mas que eles existem é um fato consumado", com o Melão e seu problema de loucura ou perversão!; e, no fascinante Reinado de Momo, o Carnaval, "Quanto riso, quanta alegria, mais de mil palhaços no Salão!", o seu plano - falível - para mais um dia de folia...; Baile de Carnaval do MTC de BH, com uma vela acendida para Deus e outra para o Diabo; Ídolos e Heróis... do cinema, da política (que havia, claro, apenas no passado mais distante e que volte o indomável "vendaval a favor da democracia" e da honestidade com a coisa pública, do tostão ao milhão, bilhão... de dólares!); da religião, com São Francisco, meu santo de devoção, "continuando soberano", mas, principalmente, dos esportes, com o "belo" Heleno de Freitas e seus belos gols de bicicleta... E o Galo na cabeça, claro, com total serenidade esportiva!...

O footing da Praça da Liberdade de Belo Horizonte, que, num vôo ao passado, lembrou-me o da antiga Rua XV da cidade, "uma procissão sem andor...", com a mesma dose de inocência e ingenuidade, porque, afinal, "a fama do mineiro - e da mineira - é a de ser um tímido, introvertido inveterado e amar em silêncio por muito e muito tempo"...; entre Sonhos e Pesadelos, "as terríveis e insolúveis provas orais e escritas de matemática aparecem frequentemente em minhas noites aflitivas. Já os sonhos, aqueles que só acontecem quando estou deitada em berço esplêndido, se assemelham mais a filmes de curta metragem, geralmente em preto e branco, embora possam ocorrer também a cores."

"O presente e a janela indiscreta" ela os abre para você aos quinze anos, quando vai conhecer a cidade maravilhosa do Rio de Janeiro e se encanta totalmente pelo mar de Copacabana, discorda de Dorival Caymmi, recria e canta: "É doce viver no mar, nas ondas verdes do mar..."; em "Matemática, um atraso de vida", ela explica o "DCD": dinheiro curto e difícil. Ela, sempre ela, a matemática, continuava sendo um atraso de vida em sua vida escolar, sem outras dificuldades mais - o mar azul de notas várias, rodeado pelo mar vermelho da matemática, arrematando o livro - ou o fechando com chave de ouro - com a crônica "No mundo das siglas", junto a Nely, que serviram às suas comunicações secretas, como códigos secretíssimos, através do jornalzinho que circulava somente entre as duas, o "PRHN-RSP: Novidades - Rádio Segredo de Paraúna. A "LVV: livro vai e volta (quando?!), IDD: imbecil em dose dupla (quantos?!), LSPL: lutar, se preciso for (sempre!), FCC: filhote de cruz credo, LQST: Libertas quae sera tamen..., palavras pequenas em lugar das grandes!...   
                
Parabéns, Marina, por compartilhar conosco os seus sonhos de menina e mulher, mãe, avó, bisa, a partir dos 13 anos de idade; por nos fazer voar a tempos distantes, inesquecíveis e fazer de nós uma testemunha a mais de tantas realidades vistas e vividas por você, especialmente sentidas, de forma profunda, com o seu grande imaginar, inspiração, humor e emoção! Obrigada! Muito obrigada! E beijos, muitos beijos no seu imenso coração de menina!... 
                          


* Promotora Cultural, Historiadora, Jornalista e Escritora, Membro da Academia Montes-clarense de Letras/AML e da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco - ACLECIA

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