segunda-feira, 11 de junho de 2018

- Homenagem -

 - TÍTULO DE CIDADÃ HONORÁRIA DE MONTES CLAROS:
DRA. ALUISIA BERALDO RIBEIRO 

Simião Ribeiro Pires Filho, Aluísia Beraldo, Eduardo Pires e Raquel Mendonça

A grande e admirada Promotora de Justiça da 7ª Promotoria de Justiça da Comarca de Montes Claros/MPMG, responsável pelas áreas de Patrimônio Histórico, Meio Ambiente, Conflitos Agrários e outras, recebeu, no último dia 25 de maio, no plenário da Câmara Municipal de Montes Claros, o justo e merecido título de "Cidadã Honorária de Montes Claros", em super concorrida solenidade! Na foto, Aluísia Beraldo Ribeiro com esta Jornalista e Gerente de Preservação e Promoção do Patrimônio Cultural, Raquel Mendonça, e os filhos do saudoso e grande arqueólogo, ambientalista, historiador e escritor - além de ex Prefeito - Simeão Ribeiro Pires (Simeão Ribeiro Pires Filho e Eduardo Pires), cujo trabalho e luta pela preservação do patrimônio ambiental e cultural do Norte de Minas, em especial pelo Parque Estadual da Lapa Grande, são reconhecidos pela 7ª PJMOC! Autor de "Raízes de Minas" e outros, Simeão Ribeiro Pires foi um dos fundadores do atuante Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Montes Claros - COMPHAC, em 1985, junto a Raquel, Virgílio Abreu de Paula e Arthur Jardim de Castro Gomes. 

Abaixo, o belo e brilhante discurso de agradecimento de Aluísia Beraldo Ribeiro.

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"Saudações...

Escreveu o engenheiro, ex-prefeito e vereador de Montes Claros, professor e membro da Academia Montesclarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, o ambientalista Simeão Ribeiro Pires, em sua obra: Gorutuba, O Padre e a Bala de Ouro:

“É que as terras do SERTÃO eram distantes, sem leis precisas, difusas que se tornavam pelas lonjuras, vivendo ao sabor dos grupos familiares, nas grandes ambições dos bens materiais, sem limites nem fronteiras.
(...)
Sofria o martírio das secas, com seus rios ainda selvagens nos aguaceiros incontidos, ou então, na visão das quadras de longas estiagens, desnudos, por inteiramente secos, matizados aqui e ali com os mosaicos dos beijus colossais na argila fendida.
(...)
Mesmo na vida de hoje, ainda tranquila nos povoados do Sertão, aparecem, naturalmente, nos encontros alegres em noites estreladas, os contadores de estórias, ouvidas com grande interesse pelos mais novos, sob forma de prosa ou até de versos repentistas, ao som das violas sertanejas.
Nota-se sempre interesse vivo pelo desvendar do passado, que ainda não se apagou de todo na memória sertaneja.
(...)
Em verdade, tem razão João Guimarães Rosa: ‘O SERTÃO é uma enorme espera...’.”
Já no início de minha carreira, após o exercício de pouco mais de 3 meses na região central de Minas, em São João Evangelista, no ano de 2004, acabei me titularizando na comarca de Januária, onde pude conhecer mais de perto a realidade destas longínquas terras do Estado de Minas Gerais, para onde sonhara, um dia, trabalhar e conhecer outros sertões.

Desde muito pequena, ainda em Passos, cidade onde vivi minha infância e adolescência até os 18 anos, sempre tive em mente que o homem deve ter muitos horizontes, que façam dele um ser humano destemido e audaz, na busca precípua de sua realização pessoal, ética e moral para, deste modo, servir à sociedade e marcar, assim, sua trajetória de vida.

Encorajada por uma paixão: os livros, acabei optando pelo curso de Direito, que concluí na Casa de Afonso Pena, pela Universidade Federal de Minas Gerais, no ano de 1996. Residindo na capital mineira desde 1990 até o ano de 2003, ainda me aventurei na advocacia criminal, onde pude combater a criminalidade na defesa dos valorosos membros da gloriosa Polícia Militar de Minas Gerais, para cuja associação de praças advoguei por quase dois anos.

Servidora pública do Tribunal de Contas de Minas durante sete anos, dividi minhas funções entre a advocacia e a dedicação aos estudos e à criminologia, quando me formei criminóloga pela Academia de Polícia Civil do Estado, abrindo um pouco mais meus horizontes para a defesa da sociedade, encorajando-me a dedicar, finalmente, ao concurso de Promotor de Justiça, buscando no combate à criminalidade meu principal objetivo.

Aprovada em 2003, já como promotora titular na comarca de Januária em 2004, em meio à natureza exuberante e aos apelos sertanejos do Rio São Francisco, acabei me afeiçoando aos trabalhos ali exercidos, especialmente às questões ambientais, onde tive contato com a riqueza e a cultura, mas também com as agruras e o sofrimento do povo Norte Mineiro.

Durante breve trajetória naquelas cercanias, acabei atrelando para sempre meu destino e minha vida a essa afeiçoada terra, onde laços de amor me unem à família que aqui formei, e ao meu trabalho, ao qual pude me devotar e concretizar meus objetivos, após breve retorno à capital mineira, onde atuei na região metropolitana, mais uma vez, auxiliando no combate à criminalidade, tarefa precípua de um promotor de justiça, cujas raízes primeiras são a identificação com a defesa da vida solapada pelo crime.

A partir de então, desde novembro de 2006, exerci nos Montes Claros, que hoje me honra por meio da casa de seu venerável povo, este valioso múnus do qual fui incumbida quando ingressei na carreira. Quando um agente do Estado é percebido pela sociedade, por meio de seus representantes, com o reconhecimento por seu trabalho, essa honraria destina-se, entendo, não à pessoa, mas à Instituição a que pertence, pelo exercício contínuo do rol de deveres que lhe impõe posturas como retidão, equilíbrio e austeridade que marcam sua carreira.

Mas não só de austeridade vive uma promotoria; nesta jornada pude compreender que o respeito, a cordialidade e a gentileza devem ser destinados a todos os cidadãos, indistintamente, sejam eles vítimas ou criminosos, representantes ou representados, reclamantes ou degradadores, porque na ausência destes sentimentos, o trabalho se torna mais árduo e as soluções mais distantes...

Padre Antonio Vieira, sempre atual, talvez hoje mais do que nunca, em seus Sermões, trecho colhido do Sermão de Santo Antonio, na cidade de São Luís do Maranhão, em 1654, pregava: “Vós, diz Cristo Senhor nosso, falando com os Pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra, o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem; ou é porque o sal não salga, e os Pregadores se pregam a si, e não a Cristo, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal.”

Na espera destes rincões do Sertão de Guimarães Rosa, aprendi que o sal da terra se espalha com maior brandura pela bondade do povo Norte Mineiro, muitas vezes por sua carência na busca de Justiça, ou por sua singela necessidade de ser ouvido e assistido. Foi então que já há muito tempo, troquei minha antiga paixão pelos livros, pela, nem sempre fácil, capacidade de ouvir, ouvir as necessidades, as degradações, o desrespeito e toda sorte de demandas que chegavam à 7ª Promotoria, onde exerci, com humildade e amor minhas funções, mesmo porque, embora saiba que a Instituição esteja sempre acima de nossos interesses pessoais ou preferências por determinados temas, amamos o que fazemos e procuramos ser, pretensiosos, o sal da terra.

Durante estes quase 12 anos em Montes Claros, atuei, com o auxílio imprescindível e valioso da minha família e dos meus parceiros, enfrentando com garra e entusiasmo os desafios que me foram propostos; muitos bem sucedidos, outros nem tanto (ainda), mas todos, absolutamente todos, com inabalável ternura, sobretudo acreditando que temas como a defesa do meio ambiente merecem sucesso.

Aprendi a duras penas que a proteção ambiental dá-se pelas pequenas e óbvias ações e que muito fazemos, se fizermos um pouco todos os dias, como hábito sagrado: separando o lixo, economizando água e outros tantos comportamentos  para aquela que considero a única e decente saída para o binômio Humanidade & Natureza: a educação ambiental.

Roger Scruton, em Filosofia Verde lança-nos o desafio: “Há uma lição para os ambientalistas. Nenhum projeto de larga escala terá êxito se não estiver enraizado no raciocínio prático de pequena escala. Somos nós que temos que agir, criar consenso e trabalhar em conjunto as decisões tomadas em nosso nome, fazendo o sacrifício necessário para o bem das futuras gerações. (...) Precisamos desmontar o global e montar no local, para que possamos identificar os problemas como realmente nossos, com os meios que podemos controlar e com os motivos nos quais acreditamos. Isso pressupõe o esclarecimento de quem somos e porque estamos juntos e comprometidos com nossa sobrevivência. (...) os seres humanos são criaturas de afeições limitadas (afeições locais), das quais a melhor é a lealdade territorial, que os leva a viver em paz com os estrangeiros, honrar os mortos e preparar o terreno para aqueles que os substituirão como inquilinos terrestres.”

Nesta preciosa lição, curvo-me àqueles que reconhecem que sem um depurado processo educativo não atingiremos o bem comum, finalidade intrínseca do Direito e consectário do conceito de Justiça, dando a cada um o que lhe pertence, na medida em que reconhecemos, como cidadãos, em primeiro lugar nossos deveres, posteriormente os direitos, para sermos, então, capazes de respeitar o próximo, inclusive nesta delicada relação homem – natureza.

Neste equilíbrio reside a sustentabilidade, sem a qual a humanidade pereceria, ou ainda perecerá, enfim.

Assim, inebriada pelo lisonjeiro título de cidadã honorária, tenho muito a agradecer, aos edis que me honraram com tão profundo reconhecimento, por ações que não teriam sido possíveis sem a participação decisiva de inúmeros atores, que mais uma vez nomeio meus parceiros. Eles (vocês) são muitos, servidores, colaboradores, integrantes dos órgãos ambientais oficiais, organizações não governamentais, profissionais e autoridades, colegas, magistrados, todos de alguma forma envolvidos com a causa ambiental; cito ainda o cidadão que denuncia, consciente e comprometido e também o que é denunciado, quem, muitas vezes vi acabar aderindo a esta nobre tarefa: cuidar, preservar.
Digo-lhes que mesmo que todos estes parceiros fossem manifestos, esta sintonia que garantiu o sucesso de muitas ações de preservação não seria possível sem um elemento que reputo inafastável: cada um de nós, participando deste longo processo de ação e reeducação para preservar, agiu sim apoiado na legislação vigente, mas agiu, sobretudo, com o coração. O sentimento que permeia todas as nossas ações empreendidas, tenham sido elas fiscalizatórias, punitivas, judiciais ou extrajudicias, de conservação e proteção, foram entrelaçadas com a maior expressão que o coração poderia nos provocar.

Rui Barbosa define em Oração aos Moços com maestria o vocábulo: “(...) O coração não é tão frívolo, tão exterior, tão carnal quanto se cuida. Há, nele, mais que um assombro fisiológico: um prodígio moral. É o órgão da fé, o órgão da esperança, o órgão do ideal. Vê, por isso, com os olhos d’alma, o que não veem os do corpo. Vê ao longe, vê em ausência, vê no invisível, e até no infinito vê. Onde para o cérebro de ver, outorgou-lhe o Senhor que ainda veja; e não se sabe até onde. Até onde chegam as vibrações do sentimento, até onde se somem os voos da crença: até Deus mesmo, inviso como os panoramas mais íntimos do coração, mas presente ao céu e à terra, a todos nós presente, enquanto nos palpite, incorrupto, no seio, o músculo da vida e da nobreza e da bondade humana.”

Digo, por fim, a todos aqui presentes, à minha família, meu marido, (que teve nesta atuação participação indefectível), minhas filhas, minha mãe, a vocês meus amigos, agradecendo mais uma vez esta homenagem, que sempre honrarei, como filha adotada, Montes Claros; onde pude aprender e exercer o árduo e gratificante dia a dia de uma promotora de justiça, e que o fiz com a razão, sem dúvidas, mas o fiz, sobretudo, com o coração repleto de entusiasmo e dedicação aos trabalhos que me foram requeridos. 

Muito obrigada! "

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