quinta-feira, 16 de agosto de 2018

- Crônica -

Catopês ou Congado: Resistência, Tradição e Fé -
 por Raquel Mendonça*
                          

Os Grupos de Catopês ou Congado, os Dançantes das Festas de Agosto de Montes Claros, maior e mais importante manifestação cultural popular e tradicional do município, com 179 anos de existência e resistência, contam com o 1° Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário, com cerca de 70 a 80 integrantes, chefiado por João Pimenta dos Santos, o Mestre Zanza, Coordenador das Festas de Agosto e Presidente da Associação dos Grupos de Catopês, Marujos e Caboclinhos de Montes Claros, Bairro Morrinhos, onde reside o Mestre, hoje com 86 anos de idade, tendo começado nas Festas como "Catopê de Colo" ou "Príncipe Catopê", com um ano de idade e, aos quatro anos, já era catopezinho de fila. 


Esta Jornalista com "Mestre Zanza"                Foto: Manoel Feitas

Aos dezesseis para dezessete anos, passou a chefiar o Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário, recebido do pai, João Pacífico Pimenta Santos, que, por sua vez, o recebeu de seu avô, Pacífico Pimenta, que foi escravo, em fazenda onde fica hoje o Bairro João Botelho e adjacências; 2° Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário, com cerca de 60 integrantes das comunidades dos Bairros Vila Anália e Camilo Prates, que tem à frente neste ano neto do grande e saudoso João Batista Faria, Yuri Faria, com o Mestre João Faria, falecido em 10 de janeiro de 2017, tendo assumido o 2º Grupo de Catopês em 1969, ele que se auto denominava "Carroceiro de Profissão e Catopê de devoção", um dos mais legítimos e extraordinários Catopês da história das Festas na cidade e, antes dele, vieram o Mestre Seu Francisco de Jura (Procurador - cargo desaparecido - Mestre Martim Biscoiteiro) e o Mestre Sebastião Gama, Procurador Zé Aristides, assim como o Grupo de Catopês de São Benedito, com cerca de 50 integrantes, das comunidades dos Bairros Renascença, Clarice Athayde e Alterosa II, conduzido pelo Mestre Wanderley, com apoio da primeira Contra Mestra dos Catopês, Vera Lúcia, filhos do também grande e saudoso Mestre Zé Expedito (José Expedito Cardoso do Nascimento), que começou nas Festas de Agosto aos oito anos de idade, em 1952, tendo sido "Catopê de Fila" por trinta anos, até assumir o Grupo de Catopês, em 1982. Antes dele, lembrava sempre os Mestres Ezequias, Manoel de Custodinha (este famoso por seus feitos nas Festas) e o Mestre Orlando...

O Catopê é o mesmo zumbi ou congada de outros lugares, com belas e ricas características regionais, cujo capacete, espécie de cilindro oco de papelão, nas dimensões da cabeça, enfeitado com penas de pavão, espelhos, aljôfar e fitas coloridas, não mais somente reservado aos chefes, mas a todos os componentes dos três grupos, autorizados por Mestre Zanza, é o "símbolo das Festas de Agosto de Montes Claros"!... Daí as saias de fitas coloridas de Tnt usadas para decorar as ruas e avenidas por onde passam, no trajeto anual...

Segundo o extraordinário Historiador, Folclorista, ferrenho defensor da identidade cultural do município, que tanto lutou e contribuiu para a preservação de todo o patrimônio histórico, artístico e cultural de Montes Claros, apoiador apaixonado das belas e únicas Festas de Agosto, Hermes Augusto de Paula, em seu lido e pesquisado livro "Montes Claros, sua História, sua Gente, seus Costumes", foi esta a origem das nossas tradicionais Festas: "a mais antiga notícia sobre as Festas data de 1839, quando Marcelino Alves pediu licença para tirar esmolas para as festas inicialmente de Nossa Senhora do Rosário e do Divino Espírito Santo, que pretendia fazer nesta freguesia e, quando se comemorou a coroação de Dom Pedro II, em 8 de setembro de 1841, foram permitidos oficialmente vários divertimentos durante três dias: Catopês, Cavalhadas, Volantins e quaisquer outros divertimentos que não ofendam a moral pública", o que houve.

Da mesma origem, portanto, dos Congados, Moçambiques, Zumbi e similares de outras regiões, o nosso Catopê, por ter ficado isolado de seus irmãos, foram adquirindo com o tempo características próprias, a começar pelo próprio nome, Catopês, que seria o nome da dança ou do ritmo, como o batuque.. É preciso destacar, no entanto, que, desde 2008, os Congados ou Congadeiros de Minas, incluídos os Grupos de Catopês de Montes Claros, estão em processo de "Registro como Bem Cultural Imaterial do Brasil", na Superintendência do Imaterial (Corina Moreira) no IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, com as Festas de Agosto tendo chegado muito perto de ser registradas como "Bem Cultural Imaterial de Minas", pelo IEPHA/MG - Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, com apoio de Fabiano de Paula.

Vale ainda destacar que os negros, quando escravizados, trouxeram consigo as suas crenças e ricas tradições, continuando a homenagear seus reis e cultuar seus deuses. Um desses reis foi o famoso "Chico Rei", escravo na região de Ouro Preto, mas que era príncipe em sua tribo africana. Aqui, os seus súditos e companheiros de escravidão o fizeram rei e, de acordo com a tradição, ele comandava as festas de culto a seus deuses. Chico Rei tornou-se célebre por ter juntado aos poucos ouro em pó que trazia das minas misturado aos cabelos, conseguindo com isso comprar a sua própria liberdade. Uma vez homem livre, pagou ainda pela liberdade de vários de seus companheiros de infortúnio. Na falta de um rei verdadeiro, elegiam alguém, entre eles, para que os representasse e, assim, faziam o seu cerimonial. Como aconteceu com a macumba, o candomblé e a umbanda, os negros relacionaram os seus deuses aos santos da Igreja Católica, como parte importante do catolicismo popular, e passaram a cultuar, com devoção, e festejar Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo...

As Festas de Agosto são, assim, em honra ou homenagem a Nossa Senhora do Rosário, santa protetora dos negros; São Benedito, santo negro e ao Divino Espírito Santo, para saudá-los! A devoção ao Divino está associada aos Marujos ou Marujada, com a 1ª Marujada de Montes Claros chefiada pelo Mestre Tim (Iderielton), filho do igualmente grande e saudoso Mestre Nenzinho (José Calixto da Cruz); a 2ª Marujada de Montes Claros chefiada pelo Mestre Zé Hermínio, que substituiu o Mestre Tone Cachoeira, já no céu como uma estrela, e o Grupo de Caboclinhos ou Caboclada chefiado pela Cacicona Socorro, filha do muito querido e inesquecível Mestre Joaquim Poló!...       
        
 Os componentes dos grupos são, em sua origem e maioria, adultos e crianças negros, pois os catopês representam os africanos. No início, aqui em Montes Claros os grupos eram compostos apenas por negros, mas, hoje em dia, não existe mais essa exclusividade, ao contrário do que acontece em outras cidades, como Minas Novas, por exemplo, onde existem duas congregações, a dos Homens Negros e a dos Homens Brancos. Com o tempo, aos negros se juntaram outras raças, havendo há décadas muitos catopês de cores distintas... No passado, eram os grupos formados somente por homens, mas, há alguns anos, através inicialmente do Mestre Zé Expedito, com ele as chamando de "catopéias", é permitida também a participação de mulheres nos três grupos.

Os Catopês ou Congado são, na verdade, os "donos das Festas de Agosto", pois eles têm por obrigação organizar e acompanhar os "reinados" - reminiscência das Festas de Chico Rei em Ouro Preto. Há os Reinados de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Império do Divino!...
Um detalhe diferencia o nosso Catopê dos Congados de outras cidades. Nos congados, o rei e a rainha são sempre negros e adultos, pessoas ligadas diretamente aos ternos. Em Montes Claros, são sempre crianças, no máximo pré adolescentes, independente da raça ou cor, filhos de famílias que se oferecem - antes sorteadas - para realizar os Reinados e Império, geralmente em cumprimento de promessa ou graças à imensa paixão nutrida pelas Festas!...           
             
Nos seis grupos que compõem as Festas de Agosto de Montes Claros estão representadas, na verdade, as três raças que originaram o povo brasileiro. Os Catopês são de origem africana. Os Marujos são de origem européia, que narram e exaltam os feitos e as aventuras dos marinheiros portugueses ou descobridores, nas danças e tradições portuguesas trazidas em alto mar por marinheiros, assim como os princípios cristãos da religião católica. Os Caboclinhos ou Caboclada são os nossos índios ou folgança de reminiscência indígena. Portanto, congadeiros de fato - e de direito - são os nossos Catopês!...          

Diante de tantas dificuldades - muitas vezes distorções, desinformação - é preciso muita fé para seguir em frente, com Mestre Zanza dizendo sempre: "Somos devotos de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e do Divino Espírito Santo!... As Festas de Agosto de Montes Claros, parte importante do catolicismo popular da cidade, têm o seu ponto alto na Capela ou Igrejinha do Rosário, também batizada de "Igrejinha dos Catopês", na Praça Portugal, construída pelos próprios catopês, com Mestre Zanza à frente das obras, hoje presentes no levantamento dos mastros, nas missas, bênçãos e demais celebrações no templo por eles edificado! E, no domingo, na praça e sede da Associação dos Catopês, acontece o "Encontro Mineiro de Ternos de Congado", com a participação de muitos congadeiros da região, do estado, com destaque para os "Arturos" de Contagem, que sempre fizeram grande sucesso na cidade!...

É a tradição que resiste aos tempos modernos, são os Catopês ou Congado dizendo ou cantando, alto e bom som, em adoração a Nossa Senhora do Rosário, a São Benedito e ao Divino Espírito Santo: "Deus te salve, Casa Santa/ Onde Deus fez a morada/ Onde mora o Cálix Bento/E a hóstia consagrada"! É a fé de um povo simples e sábio falando mais alto e mais bonito do que qualquer forma de imitação, "con-fusão" ou manipulação! Porque para ter o imenso valor cultural de um Catopê tem de ser legítimo, autêntico, sob todos os aspectos: grande por dentro, inteiro por fora ou nas Festas começar e crescer!...

Lembrando o Padre João Batista Lopes, o chamado "Padre dos Catopês": Viva Nossa Senhora do Rosário! Viva São Benedito! Viva o Divino Espírito Santo! E viva o povo que tem fé, porque a fé tudo sustenta e ampara!...

E que os Catopês ou Congado nunca desistam de ser o que são, de fazer o que fazem, de resistir, sempre, por mais pedras, incompreensões, desinformações e espinhos plantados ou encontrados no meio do caminho; fortes na fé, na luta, na batalha diária - reformando ou fazendo roupas, uniformes, vestimentas, acessórios, instrumentos musicais o ano inteiro, sem parar, sempre a faltar dinheiro, mas nunca determinação, invencíveis que são eles na devoção!... 
                                                       
                                                       Viva!... Viva e mais Vivas!...


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