"Ora (direis) ouvir
estrelas! Certo,
Perdeste o senso! E eu vos direi,
no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes
desperto
E abro as janelas, pálido de
espanto..."
Você se foi assim,
tão repentinamente, em dois meses e meio de susto, quanto surge e some uma
estrela no céu! Pensei nos maiores poetas do mundo, buscando uma forma ou um
certo sentido poético para descrever e justificar a sua ausência, mas só
consegui mesmo, com muito esforço e oscilação de pressão, rimar, o tempo
inteiro, a dor com a dor!
Indescritível a dor
que todos nós sentimos. Imensa tristeza, intensa, atroz. Mas eu precisava
encontrar uma explicação plausível para a sua súbita partida. Precisava ao
menos tentar fazer uma poesia que só rimasse com alegria, porque alegria era
tudo que mais combinava com você. Embora de sorriso difícil, tinha a graça
escondida em cada palavra, mesmo quando a intenção fosse fazer uma reclamação.
Quando soube - por você mesmo - a verdade do que tinha, tratou de contá-la de
forma tão doce e suave que cheguei a julgar que nada tinha. Um
"cancerzinho de nada, que logo logo passa. Estou bem, coisa à toa, coisa
de nada, minina."
Eu me enganei e se
enganaram todos que só queriam imaginá-lo bem, resgatando o seu sorriso perdido
por muito tempo ainda, um pouco mais de vinte anos, talvez. No sábado, dia 13
de outubro, me dá um presente desses, um dia depois de meu aniversário de 65.
Só tive reação igual quando perdi, em 2007, meu outro irmão, com vinte anos
menos, aos 49. Mas me levantei do chão, literalmente, e às 20 e pouca eu e Ana
Bárbara - filha que o amava profundamente - estávamos a postos e à inteira disposição da família na Santa Casa, e
lá já dormia você. Consolo, conforto, força, fé... juro que não vou mais chorar
e me pego de novo chorando feito criança. Revi a grande professora Lúcia do
Colégio Tiradentes. Atravessamos a noite com Cleo, Gabi, às quais agradeço o
carinho, os gestos de amor; a irmã Leda, o irmão Guilherme, a quem agradeço toda atenção e preocupação; os filhos Georgino Neto (Gino), Thiago Moreno e o filho também muito amado, Luciano (Lu) de Fá (Fabíola) Versiani. O que
dizer de Fátima, se tudo que dissesse seria pouco, perto de seu café bem forte,
docemargo, que amo? E quem não quer umas três ou quatro bolas de sorvete de
sobremesa?! Depois da chegada emocionada do irmão Jorge, veio a última carreta e partida...
Desculpe,
amigo, se a sua irmã aqui não tinha mais força alguma e não deu conta de ir até
o fim.
Como não agradecer,
de coração, a sempre maravilhosa Ivana Toledo e todo o seu carinho e apoio, me
levando até a sua casa, para me refazer?! Quem não frequentou o belo Confluência
- Café, Letras e Expressões? Obrigada a você também, Zé Renato, pela acolhida e
atenção.
Não tem a menor
graça, pensei. Perdeu a capacidade extraordinária de fazer piada dos acontecimentos
mais inusitados?! Que nada. Não perdera a piada. Não a perderia por nada.
Porque foi entre risos que seus amigos e entes queridos se lembravam de sua
trajetória de vida, jeito de ser e de transformar coisas doídas em repentinas
gargalhadas!
Eu bem que
tentava sorrir, mas o peso das lágrimas era mais forte. O meu grande
"amigo-irmão" se fora sem a nossa autorização. Tirou o time de campo,
simplesmente. "Bola prá frente, futebol clube" pensava, engasgada,
mas só me vinha à cabeça a sua nova e última morada, até que renasça, até que
volte em outras vidas. Certamente será o mesmo bicho da toca, cuja toca será você mesmo. Sei que Montes Claros não montesclareou. Não desta vez. Havia
sombras nos céus, mas apenas a esconderem por pouco tempo o brilho voraz das
estrelas que o levavam. Quem haveria de não querer no céu um dos maiores poetas
da terra, como tantas vezes escrevi? O maior poeta da história da cidade e a
você associava um, dois, se tanto. Deixou um livro publicado, que vale por cem,
e centenas de poemas e crônicas preciosos escoados em jornais da cidade.
Deixou Cleo, a
mulher amada, que lhe deu quase cinquenta anos de felicidade (dois anos de
namoro, 47 de casados) e, nos últimos meses de luta silenciosa, foi, em tudo e
em todos os momentos, o seu "Anjo Perfeito da Guarda", firme, fiel,
protetor, como declarou no último telefonema trocado. Mulher sensível, a sua
outra metade, mulher completa, deu-lhe filhos, filhos que lhe deram netos -
embora jamais tenha permitido o chamassem de avô. O que qui e isso?! Imaginem só
que absurdo! Sou, no máximo, tio, nada de avô. Ou me chamem de Júnior, façam o
favor!... No mesmo telefonema, ouvi maravilhas também da filha e médica de
verdade Gabi, que percebeu havia algo de muito estranho nos sintomas
apresentados há alguns poucos meses, ainda que sutis, e correu em busca de socorro, cercando-o o
tempo inteiro de todos os cuidados, de todo zelo. "Uma filha de ouro a
minha filha", e ouro que vale, o de alma e espírito!...
Cleo, eterna professora de artes
da Unimontes, falou também brilhantemente, lindamente, sobre a sua bonita,
harmoniosa e iluminada vida de casada com um talento imenso da nossa
"Cidade da Arte e da Cultura", um esposo, pai e avô como poucos, depois
da bela oração proferida por Maria Luiza Silveira Teles, como eu, sua "amiga-irmã" do coração, representando a Academia Montes-clarense de Letras/AML. Em seguida, o filho
Thiago Moreno leu mensagem que postara sobre o pai nas redes sociais, mensagem esta
medida com a régua da sua perfeição, traçada em palavras do próprio pai sobre
ele e, por fim, a maravilhosa poesia de Gabi, médica e poetisa - herança maior do pai!
Tento ver algo que
lembre você no infinito ou ouvir, de repente, um pássaro espírito, no qual
buscasse, em vão, se esconder. Voava, cantava, pousava na coroa que Cleo
mandara fazer em sua homenagem, depois voava, e repetia o ritual.
Eu já estava do lado de fora, cuidada por minha filha. Não aguentava mais vê-lo entre quatro paredes de
madeira, embora, por longas horas, o tenha achado tão tranquilo, sereno, manso,
brando, pacífico, sossegado, que parecia dormir, mais nada. No rosto, a
expressão plena da paz! Se me deixasse vencer pela impressão de que apenas
dormia, teria lhe pedido parasse com aquela brincadeira sem a menor graça, e
voltasse a encher o mundo de alegria. "Meus olhos cegos de tristeza e
dor/Tudo é previsto pelos livros santos/Que só não falam que o sonho
acabou." Mas sei não custa nada a você reinventar o sonho e sonhar um
sonho novo de novo e bem sonhado, aí no alto, já encantado que está.
Reencontrou - cedo demais - o pai e a mãe. Ô saudade danada de grande, meu
Deus! Ô Coronel Georgino, meu muito querido, grande, especial e saudoso amigo, tão apressado! Não podia esperar - muito, muito ainda - pelo reencontro?!
E os tantos e
inesquecíveis amigos na música, nas artes plásticas, na poesia, na crônica, nas
escritas brilhantes de jornais? Sem contarem os diletos e fiéis amigos nas
doses generosas da boa cachaça, nos cigarros que comprava como se livros
fossem... Imagino a festa que fizeram, imagino a festa que fazem! E no sonho desta
noite me passou um belo sabão, que parasse de chorar, que queria todo mundo
bem, feliz - bem feliz - que eu me esqueci da força que tenho... "Sua minina, ficarei eternamente gradicido se nunca mais chorar ao se lembrar de mim! Quero todo
mundo feliz aí prá valer! Não vê como estou bem ao lado de todos?!
Quero muita alegria, alegria sem limite! Todo mundo alegre e animado, porque só
assim fico bem e feliz aqui!" Acordei leve, livre da dor insistente e
pensei que nunca mais iria sentir tristeza, mal estar geral, queda de pressão
(já baixa por natureza), até desmaiar feito um ser frágil na Cultura logo cedo.
Viu a beleza e
alegria que foi Tico Lopes e cia tocando e cantando, vibrando para você? Chorró
na produção de tudo, como sempre. O seu próximo livro - últimas páginas ditadas
a Cleo - já está em sua mão precisa de artista gráfico, de multiartista: "Duelo ao Por do
Sol". Augusto Gonzaga no fundo era puro e autêntico prego de linha, na voz de percussão ao
grande amigo que partia. Seu irmão Jefinho, do Grupo Parafolclórico Fitas, dando o show de sempre.
"Montesclareou", a música símbolo de Montes Claros, hino popular da
cidade, que fez com Tino Gomes; "De Trem prá Montes Claros", de
Charles Boavista e Faisal, em meio a tantas e tantas... "Essa estrada leva
e traz dor e alegria/A primeira caminhada/A primeira companhia. Vim do sertão/
Lá do meio da chapada/ Tanto tempo, tanta estrada/ Tanta curva perigosa... É muito fácil/todo passarinho voa/toda mata eu sei que é boa, quando não tem alçapão... Tem
nada não/Caminho é por onde se passa/E mês que vem eu vou de trem prá Montes
Claros!..."
O seu amor imenso por
Montes Claros ficou descrito por você assim, seu minino muito admirado, querido
e respeitado em toda "monscraro", um gênio mais que genial, e nunca,
jamais genioso - meio ranzinzinha só, mais nada...: "Montes Claros tá no espírito e tá na alma. Na saudade ou
no presente, partindo ou regressando, Montes Claros é paixão permanente. É caso
grande de amor. A gente mora em Montes Claros e Montes Claros mora dentro da
gente." Agora é assim: Montes Claros mora em você, para a história e para
sempre!
E você, Georgino
Júnior, vive inteiro dentro da gente, cheio de graça - todo tipo de graça -;
cheio de harmonia e paz, de luz espiritual de longo alcance. E em paz, amigo,
descanse. Em paz, amigo, faça um poema por minuto. Na mais santa paz, amigo,
peça a Deus estender os nossos dias, para que a gente possa de alguma forma
eternizá-lo ainda mais aqui na terra. Lá vem mais um livro lindo, de emocionar,
arrepiar corações... Lá vem uma bela mostra de suas incríveis pinturas, com
Chorró à frente: tenho dois São Franciscos e dois Catopês, que enchem a sala de
casa, o tempo inteiro, com a sua eterna presença, agora lembrança, na mágica,
suave, seresteira e sorrateira presença de meu muito querido
"amigo-irmão" para sempre!...
Viva Cleo e Júnior,
almas gêmeas e eternamente juntas. Você aí, ela aqui, por longo tempo ainda,
meu querido, porque a sua amada tem muito ainda a fazer pela família - mais do que já
fez e faz - valendo pelos dois!
Durma em paz e fique
à vontade para nos visitar em sonhos alegres, engraçados... Recebo o seu
sermão, o seu sabão de coração! Quem sabe um dia a gente ria da tristeza, quem
sabe um dia só haja entre nós toda a leveza, beleza, suavidade e, ao lembrar de
você, doce a saudade!
Viva, viva e viva!...
Muitas palmas que não consegui levar ao momento final, porque fraquejei. Palmas
e mais palmas, mil palmas para você! Um dos maiores escritores e artistas
brasileiros sai de cena silenciosamente e um pouco antes da hora, para evitar
sofrimentos maiores e desnecessários, e porque o dia 13 já estava marcado no
calendário celestial. A sua ida registrada em cartório do céu e a sua volta
reencarnada já mais que esperada. Estaremos contando os dias, as horas, os minutos!...
E nada de luto.
Tirei o preto. Vou à Missa de 7º Dia de branco e preto, mas pelo nosso Galo. E não me
saem da lembrança o seu tênis vermelho, seu boné de guerrilheiro! O ferrenho e
convicto transgressor colocou regras e normas em todos os detalhes finais,
quase todas acatadas!...
Cubra de bênçãos e
proteção divinas seus entes queridos e seus fiéis amigos e amigas! Siga em paz
a sua caminhada serena e sem fim, as suas idas e vindas, com certeza e, antes
que eu me esqueça, não vou mais sofrer! Agradeço-lhe muito a sua sincera
amizade de quase cinquenta anos a fio e o seu amor fiel e verdadeiro por minha
filha, Ana Bárbara!...
Você venceu! É sua a Vitória, toda a Vitória, somente sua!...
Hora de sair da
toca, levar as crianças à escola, a refeição da filha e princesa Malu na
Namastê e, claro, cuidar também de você, porque está aqui presente, com a sua gente, como
sempre! Nos pássaros, nas flores, no belo poema ao pai poeta que a grande filha
Gabi declamou, na despedida passageira, porque todas as portas, meu querido,
vão estar sempre abertas prá você.
Apareça, não nos
esqueça!... Precisamos todos de seu brilho intenso, de sua alegria imensa, que virou
sua marca registrada e a todos contagiava! Não nos esqueça. Apareça!... Raul
Correia só o levou a um doce e plácido - rápido - recesso! Vê se não prolonga
muito o tempo de espera aqui na terra.
Que linda seja e
aconchegante também a sua nova morada!... Você ouviu o pedido de Cleo: a casa
do jeito que ela gosta, porque entre os 90 a 100, 110, qualquer hora será a
hora de ela voltar a viver a vida nova com você!...
Concluo o
texto-testamento agora: 01h33, Idade de Cristo. Fecho a crônica sem desfecho
ideal, porque nenhuma palavra parece perfeita para descrever tudo que foi, é,
representa e representará você!!!
Não foi nada não.
Tem razão. Daqui a pouco acordo desse sonho inimaginável e volto a ouvir sua
voz, a receber, por e-mail, as suas mil mensagens. Enquanto isso, paro um pouco
para ouvir de novo estrelas e para lembrá-lo através de seus mais que perfeitos
poemas e de outros grandes poetas:
"E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um
pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol,
saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que
sentido
Tem o que dizem, quando estão
contigo? "
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender
estrelas".
(Olavo Bilac)
Montesclareou
Georgino Jr. e Tino Gomes
Montes Claros, montesclareou
Meus olhos cegos de poeira e dor
Tudo é previsto pelos livros santos
Que só não falam que o sonho
acabou
A marujada vem subindo a rua
Suores brilham nos rostos
molhados
Agosto chega com a ventania
Cálice bento e abençoado
A dor do povo de São Benedito
No mastro existe para ser louvado
Louvado seja o Santo Rosário
Louvado seja poeira e dor
Louvado seja o sonho infinito
E Mestre Zanza que é cantador.
- LOUVADO SEJA O SONHO INFINITO -
E OBRIGADA POR TER EXISTIDO!...
OBRIGADA POR EXISTIR E VIVER
SORRINDO, O QUE JÁ LHE FOI RARO,
ENTRE PÁSSAROS, FLORES E
ESTRELAS...
A VOCÊ, NOSSO MAIS CARO AFETO.
SEI QUE ME OUVE, ENTÃO AFAGUE
FILHOS E NETOS... E QUE A SUA LUZ
BRILHE MAIS ALTO, AMADO AMIGO!
SEJA A PARTE MAIS PERFEITA E PURA
DO INFINITO!...
SEJA A PARTE MAIS PERFEITA E PURA
DO INFINITO!...