terça-feira, 16 de outubro de 2018

- Crônica -

A nova e plácida morada de um irmão
 por Raquel Mendonça*




 "Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,

Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto

E abro as janelas, pálido de espanto..."


Você se foi assim, tão repentinamente, em dois meses e meio de susto, quanto surge e some uma estrela no céu! Pensei nos maiores poetas do mundo, buscando uma forma ou um certo sentido poético para descrever e justificar a sua ausência, mas só consegui mesmo, com muito esforço e oscilação de pressão, rimar, o tempo inteiro, a dor com a dor!

Indescritível a dor que todos nós sentimos. Imensa tristeza, intensa, atroz. Mas eu precisava encontrar uma explicação plausível para a sua súbita partida. Precisava ao menos tentar fazer uma poesia que só rimasse com alegria, porque alegria era tudo que mais combinava com você. Embora de sorriso difícil, tinha a graça escondida em cada palavra, mesmo quando a intenção fosse fazer uma reclamação. Quando soube - por você mesmo - a verdade do que tinha, tratou de contá-la de forma tão doce e suave que cheguei a julgar que nada tinha. Um "cancerzinho de nada, que logo logo passa. Estou bem, coisa à toa, coisa de nada, minina."

Eu me enganei e se enganaram todos que só queriam imaginá-lo bem, resgatando o seu sorriso perdido por muito tempo ainda, um pouco mais de vinte anos, talvez. No sábado, dia 13 de outubro, me dá um presente desses, um dia depois de meu aniversário de 65. Só tive reação igual quando perdi, em 2007, meu outro irmão, com vinte anos menos, aos 49. Mas me levantei do chão, literalmente, e às 20 e pouca eu e Ana Bárbara - filha que o amava profundamente - estávamos a postos e à inteira disposição da família na Santa Casa, e lá já dormia você. Consolo, conforto, força, fé... juro que não vou mais chorar e me pego de novo chorando feito criança. Revi a grande professora Lúcia do Colégio Tiradentes. Atravessamos a noite com Cleo, Gabi, às quais agradeço o carinho, os gestos de amor; a irmã Leda, o irmão Guilherme, a quem agradeço toda atenção e preocupação; os filhos Georgino Neto (Gino), Thiago Moreno e o filho também muito amado, Luciano (Lu) de Fá (Fabíola) Versiani. O que dizer de Fátima, se tudo que dissesse seria pouco, perto de seu café bem forte, docemargo, que amo? E quem não quer umas três ou quatro bolas de sorvete de sobremesa?! Depois da chegada emocionada do irmão Jorge, veio a última carreta e partida... 

Desculpe, amigo, se a sua irmã aqui não tinha mais força alguma e não deu conta de ir até o fim.

Como não agradecer, de coração, a sempre maravilhosa Ivana Toledo e todo o seu carinho e apoio, me levando até a sua casa, para me refazer?! Quem não frequentou o belo Confluência - Café, Letras e Expressões? Obrigada a você também, Zé Renato, pela acolhida e atenção.

Não tem a menor graça, pensei. Perdeu a capacidade extraordinária de fazer piada dos acontecimentos mais inusitados?! Que nada. Não perdera a piada. Não a perderia por nada. Porque foi entre risos que seus amigos e entes queridos se lembravam de sua trajetória de vida, jeito de ser e de transformar coisas doídas em repentinas gargalhadas!    

Eu bem que tentava sorrir, mas o peso das lágrimas era mais forte. O meu grande "amigo-irmão" se fora sem a nossa autorização. Tirou o time de campo, simplesmente. "Bola prá frente, futebol clube" pensava, engasgada, mas só me vinha à cabeça a sua nova e última morada, até que renasça, até que volte em outras vidas. Certamente será o mesmo bicho da toca, cuja toca será você mesmo. Sei que Montes Claros não montesclareou. Não desta vez. Havia sombras nos céus, mas apenas a esconderem por pouco tempo o brilho voraz das estrelas que o levavam. Quem haveria de não querer no céu um dos maiores poetas da terra, como tantas vezes escrevi? O maior poeta da história da cidade e a você associava um, dois, se tanto. Deixou um livro publicado, que vale por cem, e centenas de poemas e crônicas preciosos escoados em jornais da cidade.

Deixou Cleo, a mulher amada, que lhe deu quase cinquenta anos de felicidade (dois anos de namoro, 47 de casados) e, nos últimos meses de luta silenciosa, foi, em tudo e em todos os momentos, o seu "Anjo Perfeito da Guarda", firme, fiel, protetor, como declarou no último telefonema trocado. Mulher sensível, a sua outra metade, mulher completa, deu-lhe filhos, filhos que lhe deram netos - embora jamais tenha permitido o chamassem de avô. O que qui e isso?! Imaginem só que absurdo! Sou, no máximo, tio, nada de avô. Ou me chamem de Júnior, façam o favor!... No mesmo telefonema, ouvi maravilhas também da filha e médica de verdade Gabi, que percebeu havia algo de muito estranho nos sintomas apresentados há alguns poucos meses, ainda que sutis, e correu em busca de socorro, cercando-o o tempo inteiro de todos os cuidados, de todo zelo. "Uma filha de ouro a minha filha", e ouro que vale, o de alma e espírito!...

Cleo, eterna professora de artes da Unimontes, falou também brilhantemente, lindamente, sobre a sua bonita, harmoniosa e iluminada vida de casada com um talento imenso da nossa "Cidade da Arte e da Cultura", um esposo, pai e avô como poucos, depois da bela oração proferida por Maria Luiza Silveira Teles, como eu, sua "amiga-irmã" do coração, representando a Academia Montes-clarense de Letras/AML. Em seguida, o filho Thiago Moreno leu mensagem que postara sobre o pai nas redes sociais, mensagem esta medida com a régua da sua perfeição, traçada em palavras do próprio pai sobre ele e, por fim, a maravilhosa poesia de Gabi, médica e poetisa - herança maior do pai!

Tento ver algo que lembre você no infinito ou ouvir, de repente, um pássaro espírito, no qual buscasse, em vão, se esconder. Voava, cantava, pousava na coroa que Cleo mandara fazer em sua homenagem, depois voava, e repetia o ritual. Eu já estava do lado de fora, cuidada por minha filha. Não aguentava mais vê-lo entre quatro paredes de madeira, embora, por longas horas, o tenha achado tão tranquilo, sereno, manso, brando, pacífico, sossegado, que parecia dormir, mais nada. No rosto, a expressão plena da paz! Se me deixasse vencer pela impressão de que apenas dormia, teria lhe pedido parasse com aquela brincadeira sem a menor graça, e voltasse a encher o mundo de alegria. "Meus olhos cegos de tristeza e dor/Tudo é previsto pelos livros santos/Que só não falam que o sonho acabou." Mas sei não custa nada a você reinventar o sonho e sonhar um sonho novo de novo e bem sonhado, aí no alto, já encantado que está. Reencontrou - cedo demais - o pai e a mãe. Ô saudade danada de grande, meu Deus! Ô Coronel Georgino, meu muito querido, grande, especial e saudoso amigo, tão apressado! Não podia esperar - muito, muito ainda - pelo reencontro?!

E os tantos e inesquecíveis amigos na música, nas artes plásticas, na poesia, na crônica, nas escritas brilhantes de jornais? Sem contarem os diletos e fiéis amigos nas doses generosas da boa cachaça, nos cigarros que comprava como se livros fossem... Imagino a festa que fizeram, imagino a festa que fazem! E no sonho desta noite me passou um belo sabão, que parasse de chorar, que queria todo mundo bem, feliz - bem feliz - que eu me esqueci da força que tenho... "Sua minina, ficarei eternamente gradicido se nunca mais chorar ao se lembrar de mim! Quero todo mundo feliz aí prá valer! Não vê como estou bem ao lado de todos?! Quero muita alegria, alegria sem limite! Todo mundo alegre e animado, porque só assim fico bem e feliz aqui!" Acordei leve, livre da dor insistente e pensei que nunca mais iria sentir tristeza, mal estar geral, queda de pressão (já baixa por natureza), até desmaiar feito um ser frágil na Cultura logo cedo.

Viu a beleza e alegria que foi Tico Lopes e cia tocando e cantando, vibrando para você? Chorró na produção de tudo, como sempre. O seu próximo livro - últimas páginas ditadas a Cleo - já está em sua mão precisa de artista gráfico, de multiartista: "Duelo ao Por do Sol". Augusto Gonzaga no fundo era puro e autêntico prego de linha, na voz de percussão ao grande amigo que partia. Seu irmão Jefinho, do Grupo Parafolclórico Fitas, dando o show de sempre. "Montesclareou", a música símbolo de Montes Claros, hino popular da cidade, que fez com Tino Gomes; "De Trem prá Montes Claros", de Charles Boavista e Faisal, em meio a tantas e tantas... "Essa estrada leva e traz dor e alegria/A primeira caminhada/A primeira companhia. Vim do sertão/ Lá do meio da chapada/ Tanto tempo, tanta estrada/ Tanta curva perigosa... É muito fácil/todo passarinho voa/toda mata eu sei que é boa, quando não tem alçapão... Tem nada não/Caminho é por onde se passa/E mês que vem eu vou de trem prá Montes Claros!..."

O seu amor imenso por Montes Claros ficou descrito por você assim, seu minino muito admirado, querido e respeitado em toda "monscraro", um gênio mais que genial, e nunca, jamais genioso - meio ranzinzinha só, mais nada...: "Montes Claros tá no espírito e tá na alma. Na saudade ou no presente, partindo ou regressando, Montes Claros é paixão permanente. É caso grande de amor. A gente mora em Montes Claros e Montes Claros mora dentro da gente." Agora é assim: Montes Claros mora em você, para a história e para sempre!

E você, Georgino Júnior, vive inteiro dentro da gente, cheio de graça - todo tipo de graça -; cheio de harmonia e paz, de luz espiritual de longo alcance. E em paz, amigo, descanse. Em paz, amigo, faça um poema por minuto. Na mais santa paz, amigo, peça a Deus estender os nossos dias, para que a gente possa de alguma forma eternizá-lo ainda mais aqui na terra. Lá vem mais um livro lindo, de emocionar, arrepiar corações... Lá vem uma bela mostra de suas incríveis pinturas, com Chorró à frente: tenho dois São Franciscos e dois Catopês, que enchem a sala de casa, o tempo inteiro, com a sua eterna presença, agora lembrança, na mágica, suave, seresteira e sorrateira presença de meu muito querido "amigo-irmão" para sempre!...

Viva Cleo e Júnior, almas gêmeas e eternamente juntas. Você aí, ela aqui, por longo tempo ainda, meu querido, porque a sua amada tem muito ainda a fazer pela família - mais do que já fez e faz - valendo pelos dois!

Durma em paz e fique à vontade para nos visitar em sonhos alegres, engraçados... Recebo o seu sermão, o seu sabão de coração! Quem sabe um dia a gente ria da tristeza, quem sabe um dia só haja entre nós toda a leveza, beleza, suavidade e, ao lembrar de você, doce a saudade!      

Viva, viva e viva!... Muitas palmas que não consegui levar ao momento final, porque fraquejei. Palmas e mais palmas, mil palmas para você! Um dos maiores escritores e artistas brasileiros sai de cena silenciosamente e um pouco antes da hora, para evitar sofrimentos maiores e desnecessários, e porque o dia 13 já estava marcado no calendário celestial. A sua ida registrada em cartório do céu e a sua volta reencarnada já mais que esperada. Estaremos contando os dias, as horas, os minutos!...

E nada de luto. Tirei o preto. Vou à Missa de 7º Dia de branco e preto, mas pelo nosso Galo. E não me saem da lembrança o seu tênis vermelho, seu boné de guerrilheiro! O ferrenho e convicto transgressor colocou regras e normas em todos os detalhes finais, quase todas acatadas!...

Cubra de bênçãos e proteção divinas seus entes queridos e seus fiéis amigos e amigas! Siga em paz a sua caminhada serena e sem fim, as suas idas e vindas, com certeza e, antes que eu me esqueça, não vou mais sofrer! Agradeço-lhe muito a sua sincera amizade de quase cinquenta anos a fio e o seu amor fiel e verdadeiro por minha filha, Ana Bárbara!...

Você venceu! É sua a Vitória, toda a Vitória, somente sua!...




Hora de sair da toca, levar as crianças à escola, a refeição da filha e princesa Malu na Namastê e, claro, cuidar também de você, porque está aqui presente, com a sua gente, como sempre! Nos pássaros, nas flores, no belo poema ao pai poeta que a grande filha Gabi declamou, na despedida passageira, porque todas as portas, meu querido, vão estar sempre abertas prá você.

Apareça, não nos esqueça!... Precisamos todos de seu brilho intenso, de sua alegria imensa, que virou sua marca registrada e a todos contagiava! Não nos esqueça. Apareça!... Raul Correia só o levou a um doce e plácido - rápido - recesso! Vê se não prolonga muito o tempo de espera aqui na terra.

Que linda seja e aconchegante também a sua nova morada!... Você ouviu o pedido de Cleo: a casa do jeito que ela gosta, porque entre os 90 a 100, 110, qualquer hora será a hora de ela voltar a viver a vida nova com você!...

Concluo o texto-testamento agora: 01h33, Idade de Cristo. Fecho a crônica sem desfecho ideal, porque nenhuma palavra parece perfeita para descrever tudo que foi, é, representa e representará você!!!

Não foi nada não. Tem razão. Daqui a pouco acordo desse sonho inimaginável e volto a ouvir sua voz, a receber, por e-mail, as suas mil mensagens. Enquanto isso, paro um pouco para ouvir de novo estrelas e para lembrá-lo através de seus mais que perfeitos poemas e de outros grandes poetas:


 "E conversamos toda a noite,

enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.


Direis agora: "Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo? "


 E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas".

(Olavo Bilac)                    


Montesclareou

Georgino Jr. e Tino Gomes


Montes Claros, montesclareou

Meus olhos cegos de poeira e dor

Tudo é previsto pelos livros santos

Que só não falam que o sonho acabou

A marujada vem subindo a rua

Suores brilham nos rostos molhados

Agosto chega com a ventania

Cálice bento e abençoado

A dor do povo de São Benedito

No mastro existe para ser louvado

Louvado seja o Santo Rosário

Louvado seja poeira e dor

Louvado seja o sonho infinito

E Mestre Zanza que é cantador.


 E eu ouso reescrevê-lo, como já fiz um dia com Drummond no nosso Jornal do Norte, na página "Cultura e Cia", também cheia de belos poemas seus:


- LOUVADO SEJA O SONHO INFINITO -


E OBRIGADA POR TER EXISTIDO!...

OBRIGADA POR EXISTIR E VIVER

SORRINDO, O QUE JÁ LHE FOI RARO,

ENTRE PÁSSAROS, FLORES E ESTRELAS...


A VOCÊ, NOSSO MAIS CARO AFETO.

SEI QUE ME OUVE, ENTÃO AFAGUE

FILHOS E NETOS... E QUE A SUA LUZ

BRILHE MAIS ALTO, AMADO AMIGO!


SEJA A PARTE MAIS PERFEITA E PURA

DO INFINITO!...


 Sua sempre "amiga-irmã", Raquel.

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