* Raquel Mendonça
Arte: Maria de Lourdes |
"Deus te salve, Casa Santa
Onde Deus fez a morada
Onde mora o Cálix Bento
E a hóstia consagrada (...)"
Quando eu e João Batista de Almeida Costa, o Joba Costa, nos
unimos para criar, junto aos então Mestres de Catopês, Marujos e Caboclinhos da
cidade, a Associação dos Grupos de Catopês, Marujos e Caboclinhos de Montes
Claros, localizada na Rua Humaitá, n° 126, com Santa Efigênia, no Bairro
Morrinho, onde mora o Mestre Zanza há longos anos, com o local tendo se
transformado, tamanha a beleza, riqueza e autenticidade de seu acervo, em um
verdadeiro "Museu do Folclore" ou "Museu do Catopê",
pensamos em três pontos básicos, essenciais, fundamentais: a sua não
descaracterização ou empobrecimento histórico e cultural, o seu natural
fortalecimento e preservação de todos os fundamentos das "Festas de Agosto
de Montes Claros", a maior e mais importante manifestação cultural popular
e tradicional do município, com quase duzentos anos de existência e
resistência, que se realizavam, no passado, sempre nos dias 15, 16, 17 e 18 de
agosto, e chegaram a ser consideradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional - IPHAN, "Bem Cultural Imaterial da União"!...
A mais antiga notícia que se tem das festas, lembra o grande
e saudoso historiador Hermes Augusto de Paula, em seu livro "Montes
Claros, sua história, sua gente, seus costumes" (volume
"Costumes") é datada de 23 de maio de 1839, quando "Marcelino
Alves pediu licença para colher esmolas junto à população e, com isso, poder
realizar as Festas de Nossa Senhora do Rosário e do Divino Espírito Santo - às
quais se associou depois a Festa de São Benedito - que pretendia fazer nesta
freguesia". Quando se comemorou a coroação de Dom Pedro II em 8 de
setembro de 1841, depois do cortejo ou passeata com a efígie do Imperador,
foram permitidos vários divertimentos durante três dias: "catopês,
cavalhadas, volantins e quaisquer outros divertimentos que não ofendam a moral
pública." A partir daí, as Festas
nunca mais pararam de crescer e acontecer, livres, belas e soberanas, feitas
pelo povo e para o povo, com os catopês ou dançantes, marujos ou marujada,
caboclinhos ou caboclada, além de dois atos que não se realizam há muitos anos,
de origem popular, única maneira aceita, porque espontânea e legítima: o Bumba
meu Boi e as tão concorridas Cavalhadas!...
São festas religiosas, integrantes do Catolicismo Popular de
Montes Claros, em honra ou homenagem a Nossa Senhora do Rosário, a São Benedito
e ao Divino Espírito Santo. Entre as práticas religiosas, estão as missas,
celebradas por longos anos, de maneira entusiástica e contagiante, pelo muito
querido Padre João Batista Lopes, o "Padre dos Catopês"; as bênçãos e
levantamento de mastros, ou seja, a Bandeira de Nossa Senhora do Rosário, na
noite anterior ao Reinado de Nossa Senhora do Rosário; a Bandeira de São
Benedito, na noite anterior ao Reinado de São Benedito e a Bandeira do Divino
Espírito Santo, na noite anterior ao Império (e não Reinado...) do Divino
Espírito Santo, de responsabilidade do Mordomo ou Mordoma, dono de cada
bandeira, antecedido pela chamada Visita!...
Aos Festeiros que, normalmente, são famílias da cidade que
se apresentam junto ao Mestre Zanza, no final das Festas, para assumirem os
Reinados e Império do ano seguinte (antigamente havia até mesmo sorteio,
tamanho o número de pretendentes!), pai e mãe que são do Rei ou da Rainha de
Nossa Senhora do Rosário, do Rei ou da Rainha de São Benedito e do Imperador ou
da Imperatriz do Divino Espírito Santo, que organizam o cortejo ou séquito
real/imperial, seguido de príncipes e princesas, entre crianças e
pré-adolescentes membros das famílias, convidados ou da comunidade que
comparecem com seus pais devidamente caracterizados no dia da festa e podem
igualmente participar. Nas cores azul de Nossa Senhora do Rosário, rosa de São
Benedito ou vermelho do Divino Espírito Santo! Aos Festeiros cabe ainda
oferecer grande almoço aos catopês, marujos, caboclinhos, familiares, amigos
das comunidades de cada Grupo, autoridades, convidados, etc, após a Missa na
Igrejinha, com apoio, tanto na organização do cortejo, quanto para servir o
almoço a centenas de pessoas, de equipe da Secretaria de Cultura! Algumas
"novidades" têm sido registradas e devidamente criticadas, o que
abordaremos em um dos próximos artigos, com dez já definidos!
E, se são festas religiosas, nada que "ofenda a
religiosidade das festas" pode ou deve acontecer - e nada pode acontecer
sem a permissão dos Donos das Festas, que são os Catopês -, como, por exemplo,
a participação de grupos parafolclóricos, como acabou ocorrendo no ano passado,
sob protestos de Mestres, Contra-Mestres, catopês de fila, marujos, caboclinhos,
populares... "Somos devotos de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e
do Divino Espírito Santo", não se cansa de dizer o Mestre Zanza (João
Pimenta dos Santos), Coordenador das Festas de Agosto, Presidente da Associação
dos Grupos de Catopês, Marujos e Caboclinhos de Montes Claros e Chefe do 1°
Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário. "Não fazemos show, não damos
espetáculo, dançamos, tocamos e cantamos por ruas centrais da cidade, da Praça
Dr. João Alves (do Automóvel Clube) até a Igrejinha do Rosário, na Praça
Portugal", não se cansa Zanza de repetir, cheio de fé e santa devoção! Ou
seja, ele não permite nenhuma confusão!
O Professor José Roberto Lopes de Sales (Prof. Beto),
Coordenador do Grupo Parafolclórico Saruê, com quem conversamos longamente a
respeito no Sobrado dos Versiani-Maurício (Secretaria Municipal de Cultura),
nos disse que não "aceitou o convite" (que ainda não se sabe de onde
ou de quem partiu), porque entendia que seria interferir (na verdade
"inter-ferir") em festas religiosas tradicionais, das quais não
participam, nunca participaram!... Muito coerentes e corretas a postura e a
conduta do querido amigo, o Prof. Beto, Coordenador de Extensão Cultural da
UNIMONTES, um dos ex dirigentes do Museu Regional do Norte de Minas e
participante da equipe de Coordenação do Festival Circuito Lago do Irapé, que
se realizará em Grão Mogol! Afinal, nenhum dos Grupos Parafolclóricos da cidade
é devoto de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e do Divino Espírito
Santo. Fazem bonito também, muita gente gosta, porque, afinal, se inspiram em
diversas manifestações culturais tradicionais, a partir das músicas,
instrumentos musicais, danças, figurinos e outros detalhes mais, mas em palcos,
como, por exemplo, do próprio Festival Folclórico de Montes Claros, este, sim,
promovido e realizado pela Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de
Montes Claros, paralelamente às Festas de Agosto, há trinta e poucos anos,
criado que foi pela amiga Clarice Maciel, primeira e grande Diretora do Centro
Cultural Hermes de Paula, visando aproveitar o movimento das belas Festas,
lembrando que o Coordenador de Eventos da Secretaria é Pedro Ferreira!!!
Sugiro a todos assistirem ao filme-vídeo "A Peleja do
Bumba-meu-Boi contra o Vampiro do Meio Dia", que vimos durante Encontro
Popular de Cultura realizado em Olinda e de que adquirimos cópia depois,
fazendo uma pequena mas necessária "vaquinha" para isso, doando-a, em
seguida, à nascente Fundação de Artes Ray Colares - FARC. Ele já foi mostrado em
vários eventos e acontecimentos culturais, levando informações àqueles que não
as têm!...
Se localizado, este é um bom momento para se conhecer, de
vez, o cerne da vezes delicada questão, tão debatida, mas pouco entendida,
compreendida!
Ou que se busque o teor do 8° Congresso Nacional de
Folclore, de que participamos em Salvador e que abordou sabiamente Folclore e
Parafolclore!...