PARECER
TÉCNICO SOBRE O TOMBAMENTO DA SERRA DO MEL -
Além da
Serra
Fabiano Lopes de
Paula*Serra do Mel - Montes Claros, MG. Foto: Fábio Marçal |
A Serra do Melo determinou a ocupação do território onde se
encontra a cidade de Montes Claros. Traz nisto o traço universal de guia
estabelecido pelos seus marcos naturais. Montes Claros, então, nasce e cresce nos
domínios do rio Vieira e da Serra que desde sempre emoldura a cidade. Há que se
falar também do rio Verde, que faz fronteira, e onde, ao longo do seu curso,
deram-se os primeiros povoamentos do Sertão Mineiro. O olhar, o mais aguçado
dos cinco sentidos, crê na Serra do Melo como uma paisagem familiar, que nos
amparava, dividia o espaço, e, na imanência deste lugar, reafirma um sentimento
tão atávico, tão arraigado e inerente à natureza humana, pois fora no ermo da
paisagem e dos mistérios da Serra do Melo que aprendemos a nos relacionar com o
mundo natural.
O valor paisagístico é o mais evidente e o mais abrangente a
ser considerado no processo de preservação a que se propõe este tombamento. Ao
se reconhecer, portanto, este valor, reconhece-se a memória dos montes-clarenses
e deixa-lhes também uma consciência para as gerações futuras. O sentimento de
preservação em nenhum momento poderá ser considerado como algo estranho aos
valores de desenvolvimento e crescimento urbano, sendo possível a conciliação destes
a partir de uma boa gestão.
A serra nos interessa em sua feição mais próxima do original,
em seu bucolismo, sem, contudo, abrir mão de uma tecnologia favorável à sua
conservação e do conhecimento do século XXI que a ele pode ser agregado para um
melhor uso e conservação do espaço.
A paisagem da Serra do Melo pode se definir como uma
configuração dos elementos, apresentados em um meio, onde podem ser percebidos
pelos cinco sentidos. A paisagem cultural e natural é associativa, ou seja,
seus valores estão nas associações tecidas em torno dela, e em que forma pode
ser compreendida por uma sociedade.
A Carta de Bagé (RS-
17/08/207) assim conceitua a paisagem cultural:
”o meio natural ao qual
o ser humano imprimiu as marcas de suas ações e formas de expressão, resultando
em uma soma de todos os testemunhos resultantes da interação do homem com a
natureza, e reciprocamente da natureza com o homem.(...)”
O tombamento da Serra do Melo reflete os interesses
paisagístico/ambiental e o cultural, cada um deles com seus objetivos e métodos
específicos que se complementam e convergem para a gestão compartilhada do
território.
Sonia Rabelo nos ensina que:
Vale
destacar que a preservação, através do tombamento, distingue-se da preservação
de ecossistemas previstas na lei federal do meio ambiente. A finalidade e o
motivo de uma e de outra são diversos - tombamentos têm como finalidade a
conservação paisagística, histórica etc.; a preservação de ecossistemas tem
como finalidade a manutenção dos sistemas ecológicos vitais e interdependentes.
Por consequência, os efeitos jurídicos de intervenção estatal em um e em outro
caso também o serão. [...] Sendo os interesses públicos diversos, a ação do
Estado, nesses casos, deverá ser orientada pelo motivo da preservação no
sentido de alcançar a finalidade de cada uma das leis específicas. (RABELLO,
2009, p. 86)[1
A preservação
da Serra do Melo buscará na harmonização de interesses a melhor conduta para se
efetivar o desejo dos montes-clarenses. Trará com o tombamento, além do fator
visual, um conforto afetivo e garantirá a história da cidade, não só na face
por nós conhecida, mas como uma unidade de conservação. E em torno desta causa
todos nós, montes-clarenses, devemos nos unir.
Belo Horizonte, em 20 de dezembro de 2016.
Belo Horizonte, em 20 de dezembro de 2016.
Fabiano Lopes de Paula* - Ph.D - Instituto Histórico Geográfico de Montes Claros.
Analista de proteção e gestão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
de Minas Gerais.
Ex superintendente do IPHAN-MG.
Doutor em Arqueologia-quartenário/Materiais e Cultura - Universidade
Trás-os Montes - Portugal.
[1] RABELLO, Sonia. O Estado na
preservação dos bens culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009. 156
p.