segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

- SERRA DO MEL -

PARECER TÉCNICO SOBRE O TOMBAMENTO DA SERRA DO MEL -

Além da Serra
Fabiano Lopes de Paula*


Serra do Mel - Montes Claros, MG.                                Foto: Fábio Marçal

A Serra do Melo determinou a ocupação do território onde se encontra a cidade de Montes Claros. Traz nisto o traço universal de guia estabelecido pelos seus marcos naturais. Montes Claros, então, nasce e cresce nos domínios do rio Vieira e da Serra que desde sempre emoldura a cidade. Há que se falar também do rio Verde, que faz fronteira, e onde, ao longo do seu curso, deram-se os primeiros povoamentos do Sertão Mineiro. O olhar, o mais aguçado dos cinco sentidos, crê na Serra do Melo como uma paisagem familiar, que nos amparava, dividia o espaço, e, na imanência deste lugar, reafirma um sentimento tão atávico, tão arraigado e inerente à natureza humana, pois fora no ermo da paisagem e dos mistérios da Serra do Melo que aprendemos a nos relacionar com o mundo natural.

O valor paisagístico é o mais evidente e o mais abrangente a ser considerado no processo de preservação a que se propõe este tombamento. Ao se reconhecer, portanto, este valor, reconhece-se a memória dos montes-clarenses e deixa-lhes também uma consciência para as gerações futuras. O sentimento de preservação em nenhum momento poderá ser considerado como algo estranho aos valores de desenvolvimento e crescimento urbano, sendo possível a conciliação destes a partir de uma boa gestão.

A serra nos interessa em sua feição mais próxima do original, em seu bucolismo, sem, contudo, abrir mão de uma tecnologia favorável à sua conservação e do conhecimento do século XXI que a ele pode ser agregado para um melhor uso e conservação do espaço.

A paisagem da Serra do Melo pode se definir como uma configuração dos elementos, apresentados em um meio, onde podem ser percebidos pelos cinco sentidos. A paisagem cultural e natural é associativa, ou seja, seus valores estão nas associações tecidas em torno dela, e em que forma pode ser compreendida por uma sociedade.

 A Carta de Bagé (RS- 17/08/207) assim conceitua a paisagem cultural:

”o meio natural ao qual o ser humano imprimiu as marcas de suas ações e formas de expressão, resultando em uma soma de todos os testemunhos resultantes da interação do homem com a natureza, e reciprocamente da natureza com o homem.(...)”

O tombamento da Serra do Melo reflete os interesses paisagístico/ambiental e o cultural, cada um deles com seus objetivos e métodos específicos que se complementam e convergem para a gestão compartilhada do território.

Sonia Rabelo nos ensina que:

Vale destacar que a preservação, através do tombamento, distingue-se da preservação de ecossistemas previstas na lei federal do meio ambiente. A finalidade e o motivo de uma e de outra são diversos - tombamentos têm como finalidade a conservação paisagística, histórica etc.; a preservação de ecossistemas tem como finalidade a manutenção dos sistemas ecológicos vitais e interdependentes. Por consequência, os efeitos jurídicos de intervenção estatal em um e em outro caso também o serão. [...] Sendo os interesses públicos diversos, a ação do Estado, nesses casos, deverá ser orientada pelo motivo da preservação no sentido de alcançar a finalidade de cada uma das leis específicas. (RABELLO, 2009, p. 86)[1

A preservação da Serra do Melo buscará na harmonização de interesses a melhor conduta para se efetivar o desejo dos montes-clarenses. Trará com o tombamento, além do fator visual, um conforto afetivo e garantirá a história da cidade, não só na face por nós conhecida, mas como uma unidade de conservação. E em torno desta causa todos nós, montes-clarenses, devemos nos unir.

Belo Horizonte, em 20 de dezembro de 2016.
                                                                                                                       
Fabiano Lopes de Paula* - Ph.D - Instituto Histórico Geográfico de Montes Claros.
Analista de proteção e gestão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.
Ex superintendente do IPHAN-MG.
Doutor em Arqueologia-quartenário/Materiais e Cultura - Universidade Trás-os Montes - Portugal.



[1] RABELLO, Sonia. O Estado na preservação dos bens culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009. 156 p.

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