Corre
pela internet uma polêmica manifestação atribuída a uma psicóloga que, ao
assistir ao filme sobre a vida de Cazuza, sente-se indignada com o movimento,
por ela identificado, que atribui aos nossos jovens um errôneo culto a esse
artista. Afirma, então, tentando destruir a tal mitificação, que ele era um
marginal, um bandido mimado pela mãe, que satisfazia todas suas vontades e
loucuras, um traficante, e por aí vai. Manifestava sua enorme preocupação, por
ter sua filha assistido ao filme, e nos relata o trabalho que teve para
convencê-la de que Cazuza não merecia ser reverenciado por ninguém. Usar
drogas, participar de bacanais e beber até cair, não eram exemplos de vida a
serem seguidos, tal como atribui ao filme a transmissão desses conceitos. Deixo
de revelar o nome da psicóloga, por não ter certeza da autoria do texto a ela
atribuído. No entanto, quem fez essa manifestação, não entendeu nada do filme e
confundiu o papel do artista. O filme só foi feito porque Cazuza era um poeta
inspirado, um homem de seu tempo, ao qual se debruça, como mostram suas letras.
Ademais, a AIDS, ao atingi-lo, tocou num pânico social, que revelava o medo de
cada um de nós de ser contagiado também. A forma como ele reagiu, a dignidade
com que se portou, e as músicas que produziu, são a demonstração prática do
belo ser humano que ele foi. Quem produziu tal texto, coitado, mesmo se
atribuindo mestrado em psicologia, parece conceder ao artista o papel de
educador, coisa que é papel dele, não do Cazuza, que apenas despertou a
juventude para refletir sobre o mundo em que vivemos, para que não ficasse tão
careta quanto certos pais. Creio mesmo que o seu sofrimento despertou uma maior
consciência, estimulando o jovem a começar a usar preservativos e a descobrir
os perigos ocultos na droga e na orgia, a partir de seu infeliz exemplo de como
não se portar. Se a opinião dessa pessoa prevalecesse, imaginem o que seria de
vários grandes artistas, como Beethoven, Tchaikowisky, Picasso e tantos outros
- geniais, depravados, devassos às vezes – e, também, muito problemáticos.
Seriam banidos e execrados! E hoje estaríamos impedidos de contemplar a
monumental obra que deixaram. Qualquer um deles, certamente, não é modelo de
vida pessoal a ser imitada. No entanto,
pessoas como essa psicóloga têm seus valores. Isso é incontestável. Vejam como
julgam com facilidade, cheios de verdade. Moralizam o mundo com suas
mal-formadas crenças. Nem conseguem ver o valor da arte atingindo milhões de
pessoas pelo mundo. Ficam apegadas a detalhes imaginários e acabam indo contra
quem teve o mérito de provocar a polêmica. Fico pensando que, no fundo, quem
escreveu esse texto deve ter uma puta insegurança pessoal, um medo enorme de
que a vida rejeite o cabresto e se rebele, saia do controle. Só que ela ainda
não percebeu que a vida não é cabresteável, nem disciplinada e muito menos
obediente. E a própria vida disse não ao Cazuza. Não seria esse, por incrível
que pareça, também, parte de seu legado?
*Artigo produzido em 2009 e publicado em um dos primeiros números da Revista Viver Brasil.