por Aristônio Canela*
Árvore de
grande valor, tanto histórico quanto comercial, a Aroeira, característica de
terras férteis do Norte de Minas, chegando a ter de cinco a trinta metros de
altura, com tronco apresentando pequenas cascas em forma de escamas na árvore
madura, variando de cinqüenta a oitenta centímetros de diâmetro. Madeira de
lei, pesada, de cerne vermelho, dura e muito resistente às intempéries do
tempo, apreciada para uso de postes, mourões, esteios nas cercas e, ainda, na
construção civil por sua durabilidade e grande beleza.
Tanto a casca
quanto a folha tem propriedades medicinais e atuam efetivamente contra o H.
Pilory, um gram negativo de difícil controle comumente presente nas úlceras
gástricas. Além disso, é eficaz no combate da febre, reumatismos, azia e outras
patologias presentes no dia a dia do sertanejo.
Durante a
floração, de julho a setembro, suas copas são feitas praticamente de flores, o
que as tornam um atrativo irresistível para abelhas, num pólen denso e intenso,
produzindo um mel de cor escura, sabor forte, grande capacidade energética e
medicinal, considerado acima da média dos outros na produtividade e ação.
Esse
espécime, por ter sido explorado sem nenhum controle, hoje é rigidamente
monitorado pelos órgãos ambientais.
A beleza,
elegância e soberania da árvore a mim me proporcionam uma admiração sem par,
pondo-me no meu lugar de pequenez, nesse mosaico natural de simplicidade
extremamente complexa.
Meu pai,
sabiamente repetindo as palavras do meu avô, dizia-me: “Compra-se de olho
fechado, terras de Aroeira e Espinho de Agulha”.
A fazenda foi
exatamente assim adquirida e, quando olhei o baixio da Manga dos Coqueiros, não
tive dúvidas, ao espraiar-me pela frondosidade do Aroeiral.
Lembro-me muito bem daquela primavera, quando as operárias,
num zumbido de baixa frequência, tomavam conta das flores, numa disciplina
militar, colhendo material para o gáudio de todos nós e, ao me dar por mim,
tinha fechado o negócio, liberando um grito de pura alegria, escapulido da boca
escancarada do meu coração.
Há pouco, na
sela do meu cavalo, vi, num relance, os vinte e quatro anos passados desse
casamento, espero indissolúvel.
Os cabelos
embranquecidos e as primeiras dificuldades para me manter firme nas explorações
das matas e recortes da geografia específica do Vale Lambertense, confesso,
começam a me assustar. Afinal, são mais de seiscentos músculos trabalhando sem
parar nesses sessenta e seis anos, o que me deveria fazer entender sobre
limitações. Mas o cérebro, ainda muito fogoso, estuma o corpo, confiando na
farmácia, seus eficazes relaxantes musculares e os calcanhares apertam os
“vazios” do animal tão teimoso quanto o cavaleiro.
Depois da
pancada de chuva varrer meu mundo, deixando um ar carregado de saúde umedecer
pulmões, pus reparo maior na procura do Garrotinho de “Ipanema”, vaca muito boa
criadeira, sumido desde ontem à tarde.
Wagner e Dú
de Bia vasculhavam as terras altas, lá pras bandas do “Morro do Vento Cantor”,
ficando comigo as barrancas do rio.
Nenhum urubu
sobrevoava a região, sinal claro de que não havia animal morto, “alegriando”
minha tensão.
As patas do
cavalo, sem ferraduras, deixavam suas marcas na terra preta da vazante,
seguindo a cerca do canavial, conferida por mim, palmo a palmo, buscando algum
lance interrompido, o que proporcionaria a entrada de alguma criação.
Com o arame
liso intacto, fui ao “Poço do Encantado” e, de lá, manobrei o rio, de olhos e
ouvidos atentos.
O terreno
escorregadio e a topografia irregular redobravam meus cuidados, me fazendo
afrouxar as rédeas, deixando “Feiticeiro”, exímio conhecedor daqueles caminhos,
identificar o melhor.
Ao chegar ao pequeno assentado, à frente do Paredão das
Fadas, vi a batida do boiéco numa guinada forte, subindo o barranco,
embrenhando-se na matinha densa e comprida, seguindo o curso do São Lamberto,
oferecendo-me duas opções: ou eu a enfrentava de facão na mão ou a contornava,
perdendo um bom pedaço da minha procura.
A lâmina
afiada começou abrir caminho por entre cipós e galhos, me mostrando a
habilidade do "danadinho”, que passou por ali todo prosa, como se
estivesse num passeio absolutamente relaxado.
Num
determinado ponto, com o barulho da correnteza a me orientar, resolvi apear e
continuar o trabalho a pé, pela dificuldade de fazê-lo montado.
Deixei Feiticeiro amarrado no tronco torto de um Vinhático
e, após seguir mais alguns metros, vi lá em baixo o resultado da petulância
juvenil em desafiar a natureza. Com a cabeça jogada por entre as patas
dianteiras, língua de fora já arroxeada, berrando baixinho, respiração
sufocada, o animal, muito assustado, punha-se a acreditar na possibilidade dos
fazimentos letais de uma gadanha afiada.
Precisava eu agir com habilidade e rapidez, com a certeza de
que não teria espaço para buscar ajuda.
Desci devagar
com o medo no meu cangote açulando-me a não escorregar e me juntar a ele.
Cortei um varão forte de aroeira e fiz uma alavanca, forçando por baixo da
cabeça, liberando-a depois de extrema dificuldade e estalos da minha coluna
lombar. Logo após, voltando à respiração normal, ele deu um “galeio” no corpo e
ficou de pé, esperou um pouco, fartou-se d’água e seguiu rio abaixo.
Eu, mais morto do vivo, reuni minhas últimas forças e subi o
barranco, mas, num tropeço de pernas “brocas”, dei com a cara na lama, sem
maiores consequências.
Quando desamarrei meu cavalo, vi claramente
o repuxar do seu “beiço”, num sorriso amplo, interpretado por mim como elogio
ao meu feito heróico.
Ao chegar em
casa, já no banheiro para um bom banho quente, de relance, olhei-me no espelho;
o rosto, barreado de um lado, refletia a imagem de um palhaço, no mínimo muito
engraçada!...
Imediatamente
então, compreendi:
“MEU CAVALO EXTRAMENTE IRÔNICO, NÃO SORRIU PARA MIM E SIM...
DE MIM.”
Membro da Academia Montes-Clarense de Letras*