quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

- Crônica -

O Roxo Verde decifrado -
 pelo saudoso HAROLDO LÍVIO *
13/10/2013

A origem da esquisita denominação de Roxo Verde, dada a um dos bairros mais antigos de Montes Claros, já foi suficientemente esclarecida por Nelson Vianna, em sua obra “ Serões Montes-clarenses”. Na semana passada, o jornalista Benedito Said, que adora esmiuçar tudo que lhe parece misterioso, veiculou, em sua lidíssima coluna de variedades, no Jornal de Notícias, uma versão que lhe contaram, supostamente explicando o porquê do Roxo Verde. Trata-se de uma deturpação de fato real que, de boca em boca, acabou confundido com o nome do cardeal Richelieu, que entrou de gaiato no caso. Isto costuma acontecer em informações transmitidas apenas pela tradição oral. Diz o velho ditado que quem conta um conto aumenta um ponto.

Nelson Vianna conta que, ali pela década de 1920, aproximadamente, o comerciante José Fernandes de Araújo, de tradicional família da cidade, gostava imensamente de informar-se e de instruir-se pela leitura de jornais, tanto que era assinante do ‘Correio da Manhã”, do Rio de Janeiro. Ele tinha o hábito de, pela tarde, pegar o último jornal recebido e procurar um local aprazível para saborear a leitura. Gostava muito, quando dispunha de maior folga, já que o trabalho o esperava, no balcão de sua casa de negócios, de ir a um recanto bucólico, na saída para Juramento, além da Malhada das Almas, hoje Santuário do Bom Jesus. Ali, à sombra refrescante de árvore frondosa, punha-se a par do que acontecia pelo país e pelos cinco continentes.

Entretanto, o que mais lhe dava prazer era a emoção despertada pelos romances de capa-e–espada, que o matutino carioca publicava em folhetins. Ainda não se falava em rádio e muito menos em televisão, portanto, o folhetim era a novela daquela quadra distante. José Fernandes de Araújo, em seguida à leitura prazerosa, narrava a amigos e familiares as peripécias vividas pelos espadachins e aventureiros. Uma destas histórias fantásticas e rocambolescas o impressionou, particularmente. Era a saga de um tal conde Rochefert, que pintava e bordava em lances de amor e paixão, deixando o leitor empolgado. Por isto, quando alguém indagava por seu paradeiro, os amigos respondiam com segurança e confiança:
_ O Zé deve estar lá no seu cantinho, lendo o Rochefer...

Daí, dá para notar que foi se desdobrando a sequência de corruptelas: Rochefer, Rochever, Rochover, Roxo Verde. Assim, o gabinete de leitura ao ar livre passou a ser chamado por todos de Roxo Verde. Esta é a razão, muito adequada, da existência, naquele local, da Praça José Fernandes de Araújo, que veio a ser o pai do saudoso José Mário de Araújo, o popular Zé Amaro. Quando o fundador do Roxo Verde morreu, colocaram em seu caixão o último “Correio da Manhã” recebido, que ele não pudera ler, para que fosse lido em algum recanto do Paraíso.

Seus descendentes, netos e bisnetos, honram a cidade que muito amou. Um deles, o general Mário de Araújo, é o sexto montes-clarense que recebeu a espada de general das mãos do Presidente da República, há poucos dias. O avô José Fernandes de Araújo adoraria ler a notícia da promoção do neto, em seu jornal preferido, que também já morreu. Não dá nem para imaginar como seria o foguetório e a afobação de Zé Amaro, pai coruja do novo general do Exército Brasileiro.


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